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16.11.05

Da reticência

Era domingo e a urgência estava calma. Uma urgência calma é uma coisa que enerva os puristas dos honorários e da gestão de recursos humanos, desses do jaez dos que questionam, mesmo, a existência de guarda-redes num jogo sem remates perigosos à baliza: cada um sabe do desporto (e da bola) o que quer saber.

Em dez minutos, o que demora um intervalo da SIC ou da TVI, entrou um homem que tinha convulsões e se descobriu que as tinha por má condução aurículo-ventricular, necessitando de provisória pilha; uma mulher que tinha um naco de bife algures pouco abaixo da epiglote; um miúdo que só gritava "Xutos!", com uma overdose de cavalo; uma pneumonia grave; e uma síndrome de abstinência alcoólica. Tudo isto com pessoas à volta: por exemplo, uma pneumonia grave com uma pessoa à volta é assaz diferente duma pneumonia grave resumida a radiografia e resenha do caso clínico, numa revista.

O miúdo com a overdose de cavalo bateu no relações públicas. Meia dúzia de murros e pontapés. Veio a GNR e concordou, perante o sucedido, que era uma chatice. Nós também concordámos. É, de facto. Uma chatice é como definimos este tipo de miséria. Admito ter dado um pontapé no focinho do miúdo, quando se virou para mim. Fi-lo com o instinto misericordioso de quem educa, com a certeza de que os apetites de bata são tão legítimos como os apetites de farda, de camisa, de fato de três peças. São necessidades básicas da condição humana.

Um tipo levar na tromba só porque está a fazer o que deve fazer é uma chatice inerente à obrigação. Paga-se em pontos naturais, querem mais o quê? Beijinhos? Subsídios de risco? Miseráveis!

Não. O que se quer é respeito. Essa coisa pouco solene de dizer "tens toda a minha solidariedade, podia ser comigo, que merda é esta?".

Eu nem sou relações públicas. Ide à merda imediatamente, mais as vossas frases de freirinha cavaquista, vós que tendeis a dizer, entre bidés, que "calha a todos". Isto ainda está muito longe de ser ao calhas, não percebeis? Mas parece-vos. Não me admira, andais a ler esoterismos mais do que devíeis e a escanchar-vos sobremaneira.

E um esotérico não passa duma botija insignificante que usamos quando, de pés frios, nos falta o verão. Um simulacro de calor que enoja por não ser preciso.

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