blog caliente.

16.11.05

Querem os senhores jantar uma sopa com Manuel Alegre? Quer ele jantar connosco?

Não se sabe, lolita. Tens razão.

Custa muito sentirmo-nos mal, custa muito não sabermos o que temos, sendo que nos sentimos diferentemente do que costumamos. Custa muito, mais ainda, pensarmos que estamos muito doentes, porque nos sentimos assim, e não sabermos se estamos, realmente doentes. Custa mais, suponho eu, ainda mais, termos medo de ter uma coisa grave e termos mesmo uma coisa dessas, mesmo grave.

Defini, há vários anos, ainda nos Açores, as minhas liberdades: que nunca saberia tudo; que nunca me cercearia na minha liberdade de tirar a dor; que nunca desleixaria o meu saber do "estado da arte"; que nunca teria nojo de quem me procurasse; que nunca faria medicina privada, porque acredito nas vantagens de me terem por inteiro, pouco eu seja.

Já falhei. Já me enganei. Já me enganei sem desculpa, até. Duvidavam? Parvos.

Não se sabe, lolita. A verdade é essa. E a verdade, a ser resolvida com taxas moderadoras, é sempre uma verdade pequenina. Acredita no que eu te digo: nunca queiras ter lucro na saúde, nunca alinhes pelo diapasão mediático de confundir excelentes alunos com tendência para a investigação (Sobrinho Simões e as elites gostam destes, percebe-se, são precisos, aliás, mas não é a mesma coisa, valha-me Deus) com clínicos que gostam de tocar nas pessoas e de as tratar, de lhes resolver os problemas.
Isto custa, cheira muitas vezes mal.
Valoriza tu, também, estas pessoas, nos centros de saúde. Escolhe-os bem, motiva-os, enobrece-os, dá-lhes 3000 euros por mês (não é muito, mas se quiseres dá-lhes só 2000, vê lá isso bem, são capazes é de preferir "a privada", não sei...), para poderem pagar a casa fora do sítio em que nasceram e onde têm a família e os amigos, fornece-lhes formação séria, em vez de os tratares mal, que tu nem tratas, eu sei, e verás como se consegue criar uma verdadeira "rede de referência" que dispensa agravamento de taxas e consegue atenuação de penas.

Eu já tive, um dia, medo de estar a morrer; estava quase sozinho e tive medo. Não é só o Alonso que se abre, aqui. Olhem eu, aqui também, aberto todo, frango no churrasco tosco da minha vida. Foi há quatro anos e, felizmente para mim, não estava a morrer. Pelo menos não parece, ao menos agora. Mas, na altura, fui à Urgência, frouxo e suadote. Mal, às tantas. Mas fui. E vim de lá melhor, no conforto dos calmos. É preciso calma, sempre calma, note-se. É duro, eu sei.

As taxas moderadoras são uma forma vil de disfarçar o futuro liberalóide da saúde paga por todos: cada um que pague a sua.
Não há almoços grátis, dizem os liberais. Não há ciências certas; nem melhor motivo para gemer do que ter medo, digo eu. Eu não quero isso das taxas nem dos medos que se pagam. Nem sei por que me maço. A lolita já disse tudo, ou quase tudo, por mim.

Mas acrescento: é preciso melhorar, dignificar, valorizar, os cuidados primários de saúde. O sítio onde se vai primeiro, a nossa casa de precisão, que referencia, com destreza e prontidão, com uma percentagem de erro de 20% a favor do doente, se for o caso, para a urgência.
É preciso acabar com o medo de falhar. É necessário humanizar a falha. É preciso aprender a pedir, solicitar, indagar responsabilidades, sem ser aos gritos, sem ser de microfone, câmara e aquela raiva surda por não sermos muito belos, por termos todos, ou quase todos, aquele aspecto bastamente diferente dos nórdicos.

É preciso criar condições e calmarias para acreditar. Nós nunca acreditaremos sem emoção, porque acreditamos conforme duvidamos. Ó Manuel Alegre: o senhor tempere isto com o seu falar, que não vejo mais ninguém que cace, por aí. Não vejo aí ninguém capaz de assumir ter falhado um tiro sem o desculpar, ao tiro pífio, apenas, com o clima que estava ali à mão da consciência. Eu gosto de si porque o imagino assim, incompleto ainda, também.

Venha cá cear, quer você vir cá? Diga, a sério. Há-de haver uma sopa no pote, pelo menos. E não se fará campanha por si, que você conquistou o direito de não carecer dela, ao menos aqui.

Por falar em calmas e em acreditar: fui ao endereço que o Alonso indicou. Não tenho fé, mas tenho-a. Espero que te sirva, Alonso, esta deficiência assumida "de a ter e não a ter". Um tipo como tu, de mim, pode esperar tudo menos o desdém totó dos que não sabem nada.
Eu, longe, muito longe de saber de tudo, sei de algumas coisas.
Sei do respeito. Sei da amizade. Sei do amor e, deste, só o que sei: o que dei e o que me deram. Sei dos outros e de mim o que consigo. Sei da candura e da raiva. Sei da misericórdia, um bocadinho, pouco. Sei, como tu, quase de tudo, faltando-nos (a ambos) tempo e cabeça para mais e mais completos saberes. Saber, ao menos, disto, define um crente. Não é?

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