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31.7.05

Melhor que os dialectos: os sotaques

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Isto, escrito, deve sair pífio. Mas todos sabemos que, seja o que for, antes de sair, pode sempre vir a sair pífio. Vê-se como saiu só depois de sair.

Admito, aqui, que a minha vida tem conhecido os seus momentos mais altos e mais baixos (alguns vergonhosamente baixos, admito) naquelas ocasiões em que, sem pensar muito, emiti fosse o que fosse "só de esguicho". A emissão deve ser precedida dum trabalho laborioso, passe o pleonasmo, eu sei, mas eu não tenho tempo para isso. E nem é só tempo, é inteligência: se penso muito baralho-me e, depois, não me sai nada, nem pífio, nem profundo.

Ora, então, isto dos sotaques. Isto é muito engraçado. Distinguir, por exemplo, um reguense dum habitante daquela cidade que parece um monturo e que dá pelo nome régio de Vila Real (devia, pois, ser uma vila) é fácil. Para quem sabe.

Pegue-se na palavra "sebenta", por exemplo. E remetamo-nos aos tempos da faculdade. A sebenta, é sabido, era o instrumento de trabalho único para estudar disciplinas como Urologia, Ortopedia e Otorrino. Não havia pachorra para ler compêndios sobre ciências pequeninas (embora no caso da Urologia isto dependa muito, evidentemente), bastava a sebenta.

Ora, aqui, note-se a finura pueril desta nuance, onde um vilarrealense diz "sebéinta", um reguense tende, inexoravelmente, a dizer "sebãinta".

Isto é muito engraçado. Eu sei, chatos do caraças, diz-se sebenta. Mas o único sotaque que é ridículo é o de Lxboa que, aliás, nem é um sotaque, é um dialecto. Os outros, os verdadeiros sotaques, não correspondem a estudos de mercado, nem a paneleirices da moda. Sai-nos assim há imenso tempo, nem sequer consegue deixar de nos sair assim. Entendem? Pronto, eu esmifro-me a explicar: a gente não faz esforço nenhum para as palavras nos sairem assim, a gente esforça-se é para nos sairem escorreitas. Vêem a diferença?

Eu vou de férias, mas hei-de passar algum tempo a aborrecer-vos com coisas destas, que se escrevem facilmente enquanto descansamos os costados e as pernas, crestados da canícula e dos sargaços.
Por exemplo, os de Famalicão, é consabido, não são de lá: são de "Famalicoum". E, como vou estar na Póvoa (minha terra adoptiva, só não nasci lá por acidente, terra que já não visito há mais de três anos, aliás), vou ter exemplos disto, diariamente.

Quando chegar a falar de Fafe e de Felgueiras, das nuances fonéticas que distinguem fafenses e "pães-de-loenses", já estareis fartos de mim. Se eu chegar a dissecar as diferenças de sotaque entre um gaiense de Vilar de Andorinho (Vilar diz-se "Bilhar") e um gondomarense de São Cosme (diz-se "Çàncòsme"), nesse caso, ficareis agoniados.
Já estais agora? Azar! Eu próprio já ando agoniado de mim há muito tempo, consolai-vos com isto.

Ah! E Agonia é apelido conhecido e respeitado no eixo Póvoa-Vila do Conde. Eu hei-de ter muito que vos contar. Deus vos proteja.

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