blog caliente.

24.7.05

Aquela rua, aquela casa

Revisitei, hoje, a rua portuense onde cresci.
Entrei sabendo onde estava, sem consciência de que era nessa rua que entrava. Olhei as casas antigas, de que recordei os habitantes, os vizinhos, os que tinham filhos da minha idade, os que tinham vidas difíceis, os que já eram amigos da casa, aqueles a quem nós, os pequenos, fazíamos partidas. Lembrei-me do nome de cada um deles e eles, todos juntos, recordações, vizinhos e a rua, pareceram-me acolhedores.
Imaginei as outras casas que já não existem, entretanto demolidas em favor de prédios de apartamentos. Recordei a rua, há muito anos atrás, cheia de pessoas a passar, lembrei-me das entregas em casa do pão e do leite, lembrei-me do amolador das facas. Da gaspiadeira. Do portão verde, antigo, em frente à minha casa, do muro que não me deixava ver para dentro, das casas bonitas de azulejo, do empedrado da rua.
A casa da minha infância já não existe. Agora é só uma memória que se me aviva quando passo por ela. Há um prédio, no seu lugar, para o qual olhei sem o ver, lembrando-me dela, percorrendo-a desde a fachada até ao quintal, onde todos os anos fazíamos tantas coisas, nos verões quentes, nas noites alegres de São João. Na minha memória quase tudo existe; mas tudo passou, desaparecido ou substituído. As coisas e as pessoas que nos acompanham ao crescer, invisíveis e irrelevantes enquanto se cresce, não se esquecem. Mesmo que pouco sejam lembradas.
Há coisas tristes, pelo meio disto. Histórias tristes, que me foram contando, de pessoas que morreram gastas de vidas vazias. E há histórias alegres, de famílias que cresceram e se multiplicaram, que dão aos filhos dos filhos o património da rua da infância.
A mim, saudosa, aquela pareceu-me hoje a rua mais esquecida do Porto.

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