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5.1.05

Razões irrelevantes para não votar no PP

As franjas intelectuais da direita estão a tornar-se temerárias. A direita portuguesa, historicamente envergonhada da decálage ideológica que a separava da esquerda moderada (sem que seja preciso invocar os mais radicais), subitamente descobriu uma forma engenhosa de fazer valer ideários menos liberais sem que os tenha de disfarçar de temas progressistas.

As doutrinas das liberdades individuais e da promoção da igualdade de direitos gastaram-se, de tão proclamadas, com o tempo. Na prática, isto pode significar que deixou de significar ser vanguardista defender causas que já contam umas boas décadas. Significa, também, que a defesa dos direitos humanos pode, perturbantemente, ser muito mais um comportamento trendy das últimas décadas do século passado do que o salto civilizacional seguro e definitivo que, até agora, pensámos que eram.

Os novos teorizadores das liberdades individuais construíram micro-teses, ainda incipientes, sobre o conteúdo da esfera de direitos sempre que os titulares desses direitos se sentem incomodados com as liberdades alheias. Defende-se o direito a ter convicções contrárias à igualdade dos direitos. Defende-se o direito a impedir a entrada de pretos, mulheres, homossexuais, inválidos, deficientes mentais ou, quem sabe, membros da Al-Queda em clubes privados, em organizações colectivas – mas privadas. Distinguem-se os comportamentos públicos dos comportamentos privados, preconizando-se que, no que toca a estes, qualquer um tem o direito de impedir qualquer terceiro de existir perto de si. Invoca-se o direito ao preconceito.

Enchem-se de espanto e de indignação pela rejeição de Buttiglione, homem a quem sustentam a habilidade de saber ser um político humanista apesar de, em privado, condenar a homossexualidade e ter ideias definidas sobre o papel da mulher na família e na sociedade. Fala-se, agora, de contra-tabus: os tabus criados pelos defensores da igualdade de direitos sempre que censuram o tal direito ao preconceito, que insidiosamente colam aos esquerdistas radicais ou aos esquerdistas chic, conforme as oportunidades e as necessidades. É esta a vanguarda do pensamento político-social da direita que, por força da miscigenação europeia, do medo do desconhecido e da inquietação das maiorias correctas em relação às minorias deslocadas, é cada vez mais presente.

A mim, faz-me pensar que tudo isto se situa entre o patético e o indignificante. São pequenas contra-correntes, apropriadas para tertúlias de salão onde são expostas em tom blasé e copo de aguardente velha, mas exclusiva, na mão. Não possuem, sequer, o estatuto de intolerância; não passam, na verdade, de catárticas exteriorizações, só aparentes, de profunda reflexão. Ainda originais, por enquanto, ainda cultiváveis, nos clubezinhos privados. Um dia desses, gastam-se. Quando, por exemplo, perceberem que ninguém é público em coisa nenhuma e que, na verdade, somos todos igualmente (e essencialmente) privados. A única diferença reside no facto de alguns gostarem mais de si próprios do que aqueles que sentem incómodo por causa da existência dos primeiros.

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