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2.10.04

Le Père Noel est une ordure

A proposta de que falo, ali abaixo, constitui-se na antecâmara (qual antecâmara: aquilo é descarado, aquilo é, nitidamente, a arma do crime!) do homícídio do Serviço Nacional de Saúde. Mais valia que o assumissem duma vez: "Não gostamos, vamos dar cabo dele, sim?"

1 - Uma proposta assim não se faz, sequer, a uma puta. Começo por aqui, por causa do cheiro das tintas. Bem me amofina que "puta" seja palavra de utilização mais cuidadosa e restrita! É isso e "caralho": a mim calha-me bem, que o tento na língua é coisa para quem não a sabe usar.
Repito: aquilo, nem a uma puta.
De facto, não se vislumbra que nenhum médico da carreira hospitalar, a menos que seja imbecil ou masoquista, perante semelhante "engodo", aceite celebrar um contrato individual de trabalho com qualquer SA. Nos moldes da proposta, é mais que previsível que o resultado obtido seja uma global e saborosa sopa.

2 - Ou seja: o que se pretende não é isso. Não é intenção deles, dos reinadios proponentes, converter ninguém. Aquilo é para os novos médicos, para os que estão fora da carreira hospitalar. Para os que estão em formação. A questão que aquelas invejáveis cabeças colocam é esta: "querem entrar? querem? então é assim!".
Ora, ou muito me engano ou, "assim", não haverá muito quem queira entrar. Só os ineptos e os masoquistas (sempre este grupo de tarados potenciais, que é capaz de os haver) se aquietarão nas perversas leis(?) das SA. Os outros preferirão caminhos privados, com difíceis raciocínios do género "para ganhar duzentos contos e aturar esta merda, os senhores farão o favor de passar bem... sem mim. Ah! E façam o favor de fazer os regulamentos internos que quiserem, o cuzinho é vosso".

3 - Com o tempo, os "ignóbeis" médicos da carreira hospitalar envelhecerão. Que é o que fazem as pessoas todas, enquanto vão fazendo outras coisas. Como não serão admitidos mais médicos nestas "públicas" condições e, como parece provável, não haverá muitos médicos a arfar de impaciência por enrabadelas SA ("Somos Amigos"), os quadros hospitalares ficarão altamente deficitários. Por exemplo, para terem uma ideia, no hospital SA onde trabalho os quadros já são exíguos para o povo (e para a nobreza, mesmo para o clero) que lá acorre. É só discorrer, ir pensando certinho, que se consegue imaginar como estarão por essa altura. Estou a falar de menos de 5 anos, note-se. Eu sou dos mais novos.

4 - O envelhecimento conduz à reforma. E, nas actuais condições de trabalho, significativa percentagem de médicos "públicos" (os das benditas urgências, isso mesmo, esses cavalos!) enfartará, fará o seu AVC, enlouquecerá. Morrerá. Eu sei que alguns mal-intencionados estarão, por esta altura, a tentar confundir a minha lucidez com sintomas de uma precoce loucura: ide pastar, sim? Bom.

5 - O Serviço Nacional de Saúde, poço sem fundo para as críticas de todos os que acordam para o lado errado da sensatez, tem profundos defeitos. Não são muitos, mas são profundos. No entanto, com propostas destas (a que eu disse ali abaixo, ide lá ler, ora), tornar-se-á um pântano ainda mais lodoso, profundo, encardido. Atingirá, provavelmente, níveis altíssimos de inoperância, de impotência. Tipo Pedro Barbosa a partir dos 17 minutos de jogo. Ou mesmo tipo Hugo, em "full-time".

6 - Eis que chega, finalmente, a hora. "Não há nada que o salve! Pobre SNS! Chuif. Está caduco, morto, quase enterrado! Falta, apenas, carregá-lo para o cemitério, que ele próprio, às pàzadas, se higienizará numa conveniente sepultura. Chamemos todos os coveiros neoliberais deste País (aqui, começará a escutar-se o hino nacional, entoado pelo interessante fadista Nuno da Câmara Pereira, ou, em alternativa, por qualquer outra frondosa criatura) para o féretro! E privatizemos, totalmente, esta merda! De imediato! Ora foda-se, finalmente conseguimos!" - urrará o ministro que, na altura, sovacar a pasta.

E tudo isto é ignóbil. E me chateia.

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