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21.7.04

Relativizações absolutas

No Blasfémias, o João Miranda comenta um artigo do Público que aborda o tema do peso dos salários dos funcionários públicos no PIB. Usando-se o sector privado como termo de comparação, conclui-se que, no mundo empresarial, se ganha menos do que no sector público, sobretudo em funções menos qualificadas. Por outras palavras: no sector público, ganha-se mais do que no sector privado. Ambas as asserções são objectivas; é preciso, então, contextualizá-las. Falamos da economia portuguesa e não da sueca ou da finlandesa. Repare-se como é interessante notar que, no tal misterioso estudo do Banco de Portugal (de que toda a gente fala mas ninguém leu - nem eu), se refere o facto de haver uma dispersão salarial menor na Função Pública do que no sector privado, o que penaliza o interesse nos cargos mais elevados, enquanto que é altamente atractiva nos restantes; E que, em 2000, com igual escolaridade e experiência, um funcionário público português ganha maios 37,6 por cento do que no sector privado - se for uma funcionária, esta diferença atingia os 64,6 por cento. Já se vê onde quero chegar? Claro que sim. Resume-se no que se segue. 

Antes do mais, e sem qualquer comparação, constitui dado objectivo o facto de que os funcionários públicos portugueses ganham mal (exceptuando, claro, o ex-futuro Director-Geral dos Impostos), e esse facto não é desmentido pela existência eventual de um significativo número de funcionários públicos possivelmente relapsos e alegadamente incompetentes (sendo certo que a incompetência profissional nunca é, salvo raras excepções, responsabilidade exclusiva do próprio incompetente, mas igualmente dos (in)competentes que, sobre ele, tenham responsabilidades hierárquicas ou funcionais) .

Já da comparação que se faz no estudo resulta que, genericamente, se ganha mais no sector público do que no privado. Sabendo-se que em Portugal toda a gente ganha mal, sobretudo por comparação com os níveis salariais praticados em outros países europeus e sabendo-se, também, que os funcionários públicos, segundo este estudo, são mais bem pagos do que os trabalhadores do sector privado, onde reside o problema, então? Não será, seguramente, no sector público. É mais justo que os cargos dirigentes sejam menos bem pagos no sector público do que nas empresas, por comparação com os cargos de hierarquias mais baixas. Também é mais justo que, na função pública, as mulheres sejam menos penalizadas face aos homens.

Parece-me, portanto, que a questão é indiscutível do ponto de vista da justiça e da aproximação de desigualdades. Sê-lo-á, então, do ponto de vista da despesa que gera a vasta massa salarial da função pública, para a qual não existe receita suficiente e que, muito embora se trate de um ponto de vista muito menos relevante do que o ético, é, contudo, um ponto de vista bastante mais manipulável. Não existissem grupos económicos com peso e domínio sobre as opções políticas e já há muito que teriam sido implementadas efectivas medidas de controlo e fiscalização das obrigações fiscais que, como todos sabemos, geram receitas substanciais. Mas assim já não estaríamos a falar da economia portuguesa e das suas fragilidades endémicas.

Os dados do estudo são inequívocos; é preciso é lê-los pelo lado certo. Ou alternativo, pelo menos.

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