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14.6.04

Impressões

"Ter a impressão de qualquer coisa" pode não passar dum palpite melhorado: não é coado pelo filtro todo da razão mas também não é uma adivinhação "à totoloto", perfeitamente aleatória.

Nos últimos dias fiquei com várias impressões. Escusava de as comunicar, eu sei, a minha própria definição de "impressão" deveria impor-me um sensato silêncio de ouvinte. Mas não. É que vivemos mesmo num mundo de impressões, às vezes enfeitadas duma elaboração que não possuem, e eu estou vivo e (ainda por cima!) vivo cá. E costumo ser muito rápido a sair da confusão, como dizia Fernando Tordo, o mal amado talentoso. E a meter-me nela, como fazia Tordo quando decidia ser o "menino Fernando". Eu encontro genuíno talento neste homem, já tinha dito isto aqui.

Bom, nada como começar.

1 - Ferro Rodrigues saiu-se bem. Gostei. Tenho a impressão que vai conseguir afastar das canelas alguns dos seus opositores internos, daqueles que aproveitaram a fase "Casa Pia" , a fase "estou-me a cagar para o Procurador" , a fase "ando um bocadinho desnorteado e emocionado com esta coisa toda" , essas fases todas, para surgirem limpinhos, impolutos na sua correcção de manequins dentro dum fato, de "defesas centrais às deixas", a rir-se despudoradamente dum homem a levar pancada. Penso, até, que será relativamente fácil ganhar as eleições a Durão Barroso. Por dois motivos, fundamentalmente: ou Barroso vai concorrer sozinho, e eu espero sentado; ou vai com Paulo Portas a reboque e, neste último caso, até me deito.

Esta impressão deve valer, pelo menos, em termos de riqueza intrínseca, tanto como aquela impressão que faz outras pessoas afirmarem exactamente o contrário: que "ainda bem que Ferro afirmou ficar", "grande favor este homem fez à direita portuguesa", "ora ainda bem, que tonto!". E por aí adiante, é só ir lendo e ouvindo.

2 - Tenho a impressão que os resultados de Manuel Monteiro e do PND não são bons. Mas eu não tenho, mesmo, tino nenhum: tenho a impressão, também, que não são maus.
Eu tenho a impressão que Manuel Monteiro é melhor pessoa do que Paulo Portas. Por exemplo, eu, a Manuel Monteiro, emprestava o carro. Ora isto conta muito. Sobretudo se associado a isto: tenho a impressão que, se persistir - em vez de desistir, como alguns gozões lhe sugerem - Manuel Monteiro (que não tem tão poucos simpatizantes como isso dentro do CDS-PP) pode cumprir a sua patriótica e útil missão, a seu tempo: esperar pela inevitável derrocada do "homem feito só de estuque" (Paulo Portas, sim, tenho a impressão que não há ali maior dureza Mohsiana) para o remeter ao suicídio político que merecem os loucos que são maus. É uma impressão, uma impressão apenas.
Mas esta impressão vale, pelo menos, em termos predictivos, tanto como a outra, mais generalizada, de que Monteiro "já está, adeus". O futuro é uma equação dependente de tantas variáveis!... Não é?

3 - Tenho a impressão que o povo português é ignorante e desleixado. Talvez seja o povo da Europa com maior percentagem de cidadãos, eventualmente a par da Bulgária, com maior apetência para a culpabilização alheia. Um concidadão é, para um português médio, um "gajo potencialmente culpado das merdas que me acontecem". Podia ser, ao menos, "um gajo para partilhar culpas". Mas tenho a impressão que não. E mais: tenho a impressão que a abstenção não traduz nada do que tenho lido e ouvido. Traduz uma profunda falta de sentido cívico, que atravessa a nossa sociedade duma ponta a outra. Não se abstiveram por desilusão, desencanto, punição. Não. Não puseram os cotos nas urnas porque, muito simplesmente, estava sol e calor. Apenas isso.

Esta impressão parece-me equivalente, pelo menos, na sua profundidade de charco, à outra: à que vislumbra nesta atitude do povo português um sinal de maturidade.

4 - Tenho a impressão que está calor demais para se jogar futebol. Se formos portugueses, búlgaros ou italianos, sobretudo. Como povos de tradição setentrional, damo-nos mal (nós, os búlgaros e os italianos) com climatologias meridionais. O mesmo não se pode dizer dos dinamarqueses e dos suecos, sacanas, que tiveram a sorte de encontrar no Euro um calor de ananases que os faz sentir em casa! Maldita sorte.

Esta impressão vale tanto como outra qualquer? Não. Esta impressão tem um desajuste geográfico óbvio, esbarra frontalmente na minha fé... mas olhem que com esta impressão eu ando mesmo preocupado.

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