Equilíbrios difíceis
Maria, mulher jovem e fogosa, resolveu engravidar 3 vezes em 4 anos. Jovem profissional em formação na área da medicina interna, Maria usufruiu de todos os direitos que a civilização lhe concede: licenças por gestação, por parto, por mal-estares, por recuperações de gestações, partos e mal-estares.Maria trabalhou, por junto, talvez 6 meses. Em 4 anos. Durante esse tempo, o trabalho que lhe competiria fazer foi feito por outros colegas, solidários com ela, com o estado de direito, com a sua legítima e autónoma vontade de emprenhar e com os bons costumes.
No final do internato, após o competente exame da especialidade, Maria ficou enormemente surpreendida por toda a gente, naquele hospital, pensar dela o seguinte:
1 - Maria é, sem dúvida, um exemplo de fertilidade.
2 - Maria é, provavelmente, uma excelente mãe.
3 - Maria é, seguramente, uma óptima pessoa, que tem colegas que passaram noites em claro, que eram a noites de Maria, para que ela pudesse realizar o seu sonho de procriação.
4 - Maria é, sem dúvida nenhuma, desnecessária neste hospital, pelo que concorra, se fizer o favor, a outro.
Maria, que se tornou uma devota zeladora da igualdade de direitos entre os sexos, ainda hoje se sente injustiçada. Julga-se vítima de machismo, de incompreensão, de prepotência.
Contudo, Florbela, a colega que o hospital preferiu, também tem dois filhos. Fê-los mais espaçados, trabalhou sempre que pôde, tentou equilibrar a sua legítima vocação procriadora com a sua (também verdadeira) vontade de fazer carreira.
Mesmo tentando, Florbela nunca conseguiu (nem conseguirá, suspeito) explicar a Maria o que, de facto, se passou. Porque Maria, pelo seu lado, também não está interessada em perceber. E odeia Florbela, enquanto vai agitando a bandeira do machismo. Uma bandeira grande que, às vezes, dá para tudo, até para esconder... isso mesmo, desequilíbrios.
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