blog caliente.

30.4.07

O fenómeno Salazar

Nem soube que houvesse ontem uma "manif" em Santa Comba, não há como ler o blog para estar a par do que se passa nessa terra beirã.

Salazar é, na verdade, um fenómeno. A lolita bem pode vir aqui, na virulência de um assomo "Odetiano", usar um dos dois modos de que, alternadamente, se usam para o atacar: o "apoucamento". (o outro é o clássico "fascista assassino" que ainda usam nos manuais escolares cuja leitura tanto me diverte), mas começo, com gozo, a aperceber-me que tudo isso é dito e escrito ... debalde.

O Salazar foi quem foi. Se se quer buscar a essência, nela se encontrará a tentativa que ele fez de encontrar nas suas raízes rurais, conservadoras e católicas um guião político.

Tentativa que foi feita por um homem invulgarmente inteligente, que formou a sua personalidade e as suas opiniões políticas algures nas duas primeiras décadas do séc. XX, e que buscou, no País da treta em que vivia, dar-lhes forma e coerência no plano do "Estado" que ele tanto prezava.

Esse guião político foi lapidarmente recitado - como talvez em mais parte nenhuma - no famoso discurso de Guimarães, logo nos princípios do Estado Novo (na década de 30). Aquele em que ele disse:

"Às almas dilaceradas pela dúvida e o negativismo do século procurámos restituir o conforto das grandes certezas. Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua história; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não discutimos a glória do trabalho e o seu dever."

Se mais se buscar na essência, nela se encontrará ainda um homem muito duro, idólatra das regras e da sua observância. O que sucedeu ao Aristides de Sousa Mendes foi muito simples, na visão salazarista: o Sr. Cônsul de Bordéus desrespeitou, directamente, uma ordem dada pela hierarquia do Estado a quem devia obediência.

Ordem essa que foi dada num contexto político-diplomático de grande delicadeza (estávamos em 1940) e que não tenho dúvidas que hoje seria dada de novo, pelo nosso actual PM, se o nosso cônsul no Darfur - provavelmente nem o temos - começasse a passar vistos aos milhares e aos milhares começassem a chegar sudaneses aos portos e aeroportos de Portugal.

( Como sempre, é mais fácil pregar como Frei Tomás, e como Frei Tomás não fazer o que se prega)

O que é que impediu um homem destes de ser um ditador "à maneira", com milhares de fuzilamentos políticos, noites de "facas longas", execuções sumárias e a demais parafernália de terror típica de quem concentra em si mais poder do que devia?

A meu ver, dois elementos estruturantes do seu carácter :

1º o seu catolicismo;

2º a sua cultura jurídica.


Nenhum deles, como se vê, tem que ver com "falta de integridade moral" (integridade que em Salazar, a meu ver, abundava)

ou com "falta de vergonha" (considerando que onde Salazar falha não é até 1945, é depois. E que - depois - não foi por falta de vergonha que se manteve no poder. Foi por falta de humildade e de capacidade de entender que o seu tempo tinha passado. Mas isso é pecado corrente, seja na política, seja nas empresas, seja mesmo nas famílias).


Voltando ao princípio: estes assomos de anti-salazarismo militante, em que a violência da escrita só se ameniza quando se acentua a mordacidade ou, mesmo, algum desdém de suposta superioridade, esbarram numa evidência:

As pessoas de hoje são tão capazes de acreditar que o Salazar era burro ou merceeiro como as de há 30 e 20 anos eram capazes de acreditar que o Salazar era um monstro sanguinário.

Ou seja, lêem estas coisas, ouvem estas coisas, encolhem os ombros e seguem em frente. Como se costuma dizer, dão o "devido desconto".

Que, neste caso, é um desconto enorme.

E isso, é na verdade um fenómeno. Porque é a demonstração acabada de que é falsa aquela máxima corrente que nos diz que "uma mentira repetida muitas vezes passa a ser verdade".

Neste país, há 30 anos que se andam a dizer mentiras sobre o Salazar. E nem por isso essas mentiras passaram a ser tidas como verdades.

PS - Como vêem, lolita e besugo, sobrevivi ao Conselho Geral das Varinas. Por uma razão simples. Não estive lá! É que prefiro estas discussões àquelas ...

View blog authority