blog caliente.

14.2.07

A saudade de deixar o tempo passar.

O relatório da UNICEF sobre o bem-estar infantil nos países da OCDE atira, como costuma suceder neste tipo de indicadores civilizacionais, Portugal para o fim da tabela, embora à frente de países como a Inglaterra e os Estados Unidos - mas sem esquecer que, de todos, Portugal é o país em que menos livros as crianças têm no lar. Todos sabemos: as crianças portuguesas lêem pouco, mas isso é apenas um sintoma dos pais e dos avós. Em Portugal lê-se pouco ou nada: é uma característica quase estrutural da nação, que explica uma série de coisas (nomeadamente o elitismo terceiro-mundista das classes ligadas às letras e às artes, sem exemplo em qualquer outro país europeu). Mas, apesar do panorama pouco simpático sobre os portugueses, o relatório mostra um dado curioso: no conjunto dos vinte e um países da OCDE, Portugal é o segundo a mostrar melhores níveis nos indicadores "estrutura familiar", "relações familiares" e "relações com os companheiros". Conclui-se, no relatório, que há uma maior percentagem de crianças portuguesas que declaram que os seus pais passam tempo com elas simplesmente conversando; e que declaram que os seus amigos são simpáticos e amáveis. Estes resultados, contrastantes com o medíocre desempenho do país nas restantes dimensões avaliadas (bem-estar material, saúde e segurança, bem-estar educativo, entre outros) são sintomas importantes a ter em conta num projecto de sociedade humanista, empenhada no bem-estar dos seus cidadãos (incompatível, porém, com projectos simplex socráticos e com estímulos da competitividade cavaquistas). Provavelmente, e talvez um dia se pense nisto mais a sério, o sentido de cidadania e o bem-estar social radicam mais na estimulação dos laços afectivos do que no investimento em excelências do desempenho escolar que formam excelentes profissionais, mas cidadãos apenas sofríveis. Se calhar, já é o momento de se perceber a diferença.

View blog authority