blog caliente.

19.11.06

Passar sem mim há-de ser fácil

A fé não tem nada de irracional. Tem muito é de cegueira.

A fé é isto: juntarmos coisas, pensamentos, conversas, selos, cheiros, cromos, cromados, preservativos, beijos, sons, lamúrias silenciosas, manchas de tinta, amuletos, pedras d'água, enfim, voltando ao princípio, juntarmos coisas que - temos fé - irão fazer acontecer aquilo que queremos que aconteça.
A fé é só isto, mas também não é menos do que isto.
A fé é participarmos do destino sem pagarmos bilhete de sócio de destino: só pagamos bilhete de fé. São os mais baratos.

Quando a fé se proclama numa tasca, ou numa cervejaria fatelas, mesmo numa churrasqueira, chama-se fezada. Fezada é o diminutivo azeiteiro de fé. Eu sei o que estou a dizer porque não sou um homem rico, nem educado e, além disso, alimento-me bastante mal e em sítios contraproducentes

O que é azeitar a fé? É untá-la de margarina gorda ou de óleos um bocadinho "fulas".

É como fazemos com as mulheres que um dia cairam na asneira de nos fazerem pensar que nos amavam e, depois, fartas de nós, nos informaram do seu recente desamor por nós: quando falamos delas, numa tasca, já um bocado tocados, já um pedaço para além de Bagdad em termos de ácido tartárico nas meninges - que não há outra razão para se ser burro que a burrice propriamente dita e o excesso etílico, o resto é toxicologia forense injectável ou má carga genética -, quando falamos delas, dizia eu, são umas gajas reles. Se já nos trocaram por outro, ainda por cima, são umas putas zarolhas.
Se, por outro lado, ainda nos não substituiram por outro artolas qualquer e nos dá para a ternura, caramba, mesmo na tasca, tendemos a convergir para o discurso do "ainda há fé" e bradamos, babando grosso, que "eu ainda gosto muito dessa cabra e parto os cornos ao primeiro que diga mal dela aqui!", antes de alguém nos trasladar para casa, sim, para nossa casa, imediatamente antes do coma hospitalar.

A fé é isso, o que proclamamos e sentimos quando não estamos na plena posse dos nossos sentidos todos.

Os cegos são bons nisso, fundamentalmente por não estarem na plena posse dos nossos sentidos todos.
Eu estou a ver que tenho fé nisto.

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