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15.11.06

Lições de anatomia

O Baltasar era engraçado. Tanto era, que daquela vez se fodeu.

O nosso exame prático de Anatomia era a famosa gincana, não sei se ainda é.
Era assim: juntavam-nos a todos, como gado em ânsias, numa saleta em que, se nos mexêssemos, tínhamos - praticamente - relações sexuais com quem estivesse à nossa periferia. Uma espécie de curro colectivo. De trinta em trinta segundos tocava uma campainha (e é preciso lembrar que, no início dos anos oitenta, o soar duma campainha remetia directamente para Agildo Ribeiro, Bruna Lombardi e múmias paralíticas) e um de nós penetrava no corredor do teatro anatómico, onde o senhor Júlio fazia de fiscal desdenhoso.

Pelo corredor afora, dez mesas tinham duas peças anatómicas cada uma. Vinte peças ao todo. Isto é bom, para que se perceba que a anatomia é a génese da medicina interna: na anatomia aprendemos a decompor o corpo em peças, na medicina interna a juntá-lo todo (como na cirurgia geral e na clínica geral, no fundo) e a pensar que aquilo funciona tudo junto; coisas de "mais tarde".

Bom. Havia trinta segundos para cada peça. Identificava-se (ou não) a estrutura apontada, em cada peça, por um alfinete daqueles cabeçudinhos, escrevia-se o nome da "estrutura" no papel (ou não), e passava-se à seguinte, que atrás vinha gente (e podia ser alguém com quem tivéssemos estado a ponto de ter tido relações sexuais no curro, relembro).

O Baltasar, numa peça que tinha um alfinete no ligamento redondo do fígado, escreveu "fígado".
Numa que em o "cabeçudinho" indicava uma pirâmide renal, escreveu "rim". E, numa em que estava assinalada a cabeça do epidídimo, escreveu - assim mesmo, ó puristas! - "uma coisa num quilhão".

Podiam falhar-se quatro perguntas, apenas. E o Baltasar afiançou sempre que tinha estado bem nas outras todas, embora enervado pelas vinte campainhadas. Ainda poderia, segundo ele, errar mais uma.
De maneira que se gerou ali um mito efémero, em que o Baltasar figurou como uma espécie de mártir da prática canónica, ficando conhecido como "o desgraçado que se fodeu por não saber dizer textículos".

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