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13.10.06

Os Grandes de Portugal

Pacheco Pereira, com o superior vanguardismo ideológico a que todos se habituaram, registou a evidência da justeza da inclusão de Salazar na famosa lista dos Grandes Portugueses - chega a afirmar, até, que "uma lista deste tipo sem Salazar não tem pés nem cabeça".

Em primeiro lugar, parece esquecer-se de que tudo se trata de um reality-show (como ele próprio lembra), portanto essencialmente ligeiro como uma sopinha instantânea, e não de um projecto de diploma legal aberto à discussão pública que decrete o rol de portugueses dignos de figurar na Torre do Tombo e de, com isso, se perpetuarem no património da pátria. Isto é, no fundo, confundir a forma com a substância: o tema será, por muito que se esforcem e disfarcem, tratado em ambiente de entertainement, com a mesma profundidade e sentido de estado que se observa no Roberto Leal a cantar a Portuguesa. Por isso é que os critérios de escolha foram aleatórios, misturando-se aos reis, estadistas e pensadores da pátria os futebolistas e os actores que singraram em Hollywood a fazer de mexicanos em filmes série B - apenas porque são famosos fora de Portugal e, sobretudo, porque só uma minoria de portugueses se disporia a votar numa eleição deste tipo se não estivessem a votos os Figos e os Eusébios - heróis mais próximos e mais representativos das ânsias lusitanas.

Contrariamente ao que sentencia JPP, que declara estas coisas como quem nos chama néscios a todos, não me espantaria nada que hoje, trinta e dois anos após a revolução, Salazar não entrasse numa lista de Grandes Portugueses. E muito menos isso me repugnaria. Defender que uma lista sem Salazar não "tem pés nem cabeça" é muito forçado, tão forçado que se denuncia na hora a pseudo-racionalidade de quem já conseguiu objectivizar a história recente e que dela se distanciou, como se uma ditadura vigente há uns meros trinta anos atrás fosse tão história como a Inquisição espanhola ou as conquistas de Genghis Khan no Médio Oriente. JPP de bom grado colocaria, portanto, Saddam Hussein numa lista de Grandes Iraquianos. Ou Enver Hoxha numa lista de Grandes Albaneses.

As nações, sem memória, não existem. Ou existem, mas pouco importam. Ainda há e haverá muitos portugueses pré-geração Morangos com Açúcar que sabem de Salazar e ainda há alguns, menos do que os anteriores, que se lembram de como era viver diariamente num país fechadinho a sete chaves até (sobretudo) no pensamento. Uma lista de Grandes Portugueses feita hoje teria, por isso, "pés e cabeça" sem Salazar. Com ele também tem, evidentemente. O curioso é que, como bem lembra Pacheco Pereira, ele foi lá colocado em tempo porque isso é politicamente correcto. E eu, se me perguntassem, diria que politicamente correcto seria exactamente o inverso.

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