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25.9.06

Os indicadores do corpo, esses dedos todos

Falta de apetite, desconforto abdominal e uma assustadora perda de quase quinze quilos, tudo isto esmagando-o em menos de dois meses, levaram Libório ao hospital. A ver se lhe diziam o que haveria nele que lhe causasse aquele esmagamento.
"Neurastenia", dir-lhe-ia Breuer, caso Libório o procurasse; e caso, alguma vez, tivesse Breuer sido displicente num exame físico.
"Uma qualquer debilidade do corpo, esse vexame ignóbil, mistura de tripas sufocadas pelo espírito e pela inteligência, esse detestável suporte que suporto!", garantir-lhe-ia Nietzsche, já irritado, se, em lugar de ser um luminoso triste, fosse tão estúpido como costumam ser os egoístas antes, durante e depois da sua própria dor.

Contudo, Libório não os procurou. Aliás, Libório, em quarenta e cinco anos que leva de vida, tudo o indica, não soube, nunca, de nenhum deles, mais que do nome e da remota existência. Isto, se tanto.

Libório, afinal, como ele próprio suspeitava, padecia daquilo a que Eça chamou, suave e nebulosamente, um cirro.
Dum cancro no estômago, sim.

Quem lhe olhasse para a base do pescoço, aliás, ali à direita de quem o olhasse e aqui à esquerda de quem o tivesse, veria a exuberância da propagação do mal: aquela massa tumefacta, logo acima da clavícula, que nem dores lhe dava, mas que estava ali agora e que dantes não.
Que fazia ali aquilo?
Nada. Era o mal, apenas o mal, o viajante mal, ali estacionado numa estrada secundária do corpo.

O Libório foi operado. "Abriu, fechou".

Começámos, faz hoje uma semana, este Outono dele.

O mal tende a espalhar-se e, tantas vezes, só dele damos fé quando espalhado.
Eu não quero - nem sei - discutir o que é o mal, que o mal não se discute fora das academias cultas. E muito menos com o Libório, que o tem dentro de si como se fosse um filho da puta.

Aquela coisa no pescoço ficou mais pequena. Ambos vimos. O Libório e eu. Isto quer dizer que temos algo em que pensar nos próximos dias e que temos, ao menos, isso.
Creio que se percebe perfeitamente por que digo isto. O Libório percebeu e teve, embora isso fosse independente do seu entendimento, alta precária.

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