Conflitos graves
Um génio, que acabava de estacionar o seu Kia Shuma na berma duma rua larga e sem passeios, foi abordado por um indivíduo de idade indefinida, usando uma I-shirt (é uma T-shirt sem mangas, portanto "caveada"), uma tatuagem no ombro direito - que exprimia o juízo "Bissau - o meu Pai esteve lá - amor de Mãe" -, e sete piercings dispersos pela anatomia.- Mãos ao ar! - berrou o indivíduo dado à iconografia e ao desleixo na indumentária.
- Tem prudência! - silabou o génio.
- Mãos ao ar e é já, que eu sou um salteador!
- Ó meu rapazola: eu sou um génio, tenho poderes. Não pareço porque o meu Kia Shuma não se assemelha a uma lamparina. Contudo, se eu quiser conceder-te o favor de te cortar essa boca toda, faço-o sem necessitar de requerimentos. E tu, em contrapartida, ficas necessitado de dezoito agrafos de cada lado do orbicularis oris.
- Ai sim?
- Sim.
- Bom. Então, nesse caso, mudo de ideias. Sou, afinal, um gestor de património negligente no vestir e não quero assaltá-lo.
- Fazes bem.
- Em alternativa, gostaria de colocar-lhe uma questão...
- Queres fazer-me uma pergunta mas escutas muito a Fátima Campos Ferreira, não é?
- Bom, sim, enfim, sim, essa e a Judite de Sousa...
- Dize lá (o génio tendia para utilizar alguns "quase arcaísmos verbais" quando confrontado com gestores de património; com gestores de matrimónio lidava menos "quase vetustamente" e descontraía-se ligeiramente mais).
- Bom, era o seguinte: o senhor doutor...
- Não me chames doutor. Podes tratar-me por excelente génio, isso parece-me bem. Mas prossegue.
- Está bem. Excelente gén...
- Pára com isso e faz o caralho da pergunta, foda-se! - proferiu o génio, já um bocadinho enervado com a untuosidade do indivíduo.
- Bom, no fundo era para saber por que razão Pedro Arroja ainda não escreveu nada no Blasfémias. Já foi anunciado há vários dias que o contrataram e ele nada...
- E perguntas-me isso a mim? Que sei eu disso? Alguma cólica que teve! Um caso de arrependido arrependimento, quiçá. Um sindroma de "eu já disse tudo o que tinha a dizer há doze anos"! Eu sei lá disso? Tu é que és colega dele! Dize tu! (lá está, outra vez dize..., pois)
- Mas eu não sei, eu não possuo - sequer! - um reclamo de grandes dimensões na minha penitenciá... quero dizer, na fachada do meu escritório! Eu podia, mesmo, chamar-me Caldeira! Ou, em calhando melhor, Manuel António de Santa Olávia Campos da Ramificação!
- Meu rapaz - suspirou o génio, já duas passadas afastado de Manuel da Ramificação - também eu possuo apenas um Kia Shuma e detesto coreanos.
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