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19.2.06

Opinando sobre o livro mais fustigado pelo lobby do Bica do Sapato desde a publicação do primeiro versinho do Paulo Coelho

Li o Bilhete de Identidade da Maria Filomena Mónica em simultâneo com as críticas que do mesmo foram sendo publicadas. Sabe-se que em cada crítico há um criador frustrado e que, quanto mais dura e inatacável se mostra a crítica, maior é a probabilidade de estarmos perante uma imensa e sofredora frustração, pela impossibilidade de aceder à sublime criação artística. Tanto, que pode suceder tomar-se a nuvem por Juno, exigir excelência no que é intrinsecamente ligeiro, atacar o despretencioso.
Eu li, sobre o Bilhete de Identidade, críticas com tal consistência e fervor que redobrei a atenção no pormenor, no subliminar, nas mensagens involuntárias da autora, incapaz de dominar a escrita ao ponto de não dizer mais do que o que conscientemente quisesse.

Para ser honesta, acho que me desiludi por volta do quarto ou quinto capítulo do livro, no momento em que se inicia, a fundo, o discurso do "eu", em risco permanente de cair na crónica colorida da burguesa contestatária, mas bem relacionada com meninos da linha. Aliás, a parte mais bem conseguida de toda a biografia é a inicial, a do "enquadramento parental", em que MFM descreve a mãe, o pai e a avó com desassombramento e procura da verdade histórica e com a riqueza "dramática" suficiente para nos apercebermos das respectivas virtudes, a par de desvendadas fragilidades. É como se, até aí, fosse a MFM investigadora a escrever, ao passo que, daí em diante, é notória a MFM pessoa. Aliás, demasiado acrítica.

O estilo é ligeiro. Talvez maçudo, mastigado. Mas também é inquestionavelmente despretencioso e discreto. Como se se pretendesse que a forma sirva a substância: interessa é o quê, não o como. Voluntariamente ou não, o certo é que é fácil embrenharmo-nos na leitura.
O que parece errado, ou confuso, é o perfil com que MFM se nos apresenta. Fica-se com a sensação de que tudo lhe aconteceu por acaso. Os primeiros trinta anos da sua vida, tal como ela nos conta, aparentam ser uma sucessão de acasos, de acidentes ou de acontecimentos provocados ou manietados por terceiros a que se limitou a aderir ou a rejeitar. Até as paixões, que parecem mornas, acabam por tédio ou prolongam-se no tédio.

Pressinto que isto se deve à falta de habilidade da MFM em auto-retratar-se, muito mais do que a uma possível emotividade frustre. Escreve num tom demasiado "jornalístico", até quando fala dos amores. Por outro lado, teria de ser mais, para ser auto-biográfico: seria preciso que nos fosse dado a ver, o que os namorados, os filhos, os amigos, pensam e sentem. Com excepção da mãe e, talvez, do emérito VPV, todos os outros interlocutores de MFM desempenham supporting roles. O que faz com que o livro esteja longe de ser uma auto-biografia, para ser apenas, e de forma muito menos ambiciosa, uma descrição, subjectiva e redutora, de uma vida.
É, se calhar, isto que faz com que se acabe a leitura com uma sensação de vazio. É, conclui-se, um relato banal sobre uma vida em que se está sempre quase, sem nunca se chegar a ser. A vida de uma "intrusa", como a própria MFM se designa. In illo tempore.

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