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14.2.06

Versões simplificadas (3)

A meritocracia é melhor que a aristocracia tradicional, medieva, aquela de tu no campo a lavrar e eu aqui, na caça do faisão, traz-me o chá e desanda.
Isto deve ser verdade porque, ao menos assim, 97% de nós todos, no sossego privado da "nossa casa das fezes e urinas - também temos chuveiro!", temos mais hipóteses de invejar e detestar tipos e tipas que devem ser, deveras, melhores que nós.

Ironia do caraças, não é muito mais difícil dar-lhes um tiro despeitado na cabeça (ou na nossa, se tendermos para a neurastenia, ou para uma deriva abissal do "self") do que era dantes, repondo os equilíbrios necessários.
Não, não tanto os nossos equilíbrios privados, de indivíduos invejosos e sedentos de azeitinho pelo lombo, que seremos sempre assim, desajustados na nossa mistura de "pequenos quereres que parecem grandes" (isto, mais antidepressivo, menos queca com corista conhecida; mais BMW M5, menos Fiat Panda); mas os equilíbrios da azenha inteira.
A azenha global, sim. Que desdenhamos porque, no fundo, nos topa bem a todos, que ela tem muitos olhos e os nossos também estão lá, no meio dos outros todos, a olhar para tudo e até para nós, tantas vezes com medida diferente da do espelho parcial que temos em casa. E que, embora raramente, às vezes se purga toda com pequenos enemas avulsos, sem que percebamos bem porquê, na altura, até nos chegar o cheiro e dizermos, ufanos, "ah! cá está, então foi isto!".
A pergunta seguinte é sempre "quem foi?" e costumamos ter o indicador preparadinho.

Ou seja, simplificando: a margem de erro parece menor, de facto. E até será menor, mesmo, mas isso não muda nada de substantivo.
Eu fico sempre contente quando vejo uma criança a começar a andar. Parece-me sempre um milagre. Um milagre de coordenação, músculos, feixes nervosos, fenómenos circulatórios, digestões, ossos, vontades, afectos e (tenho muita pena de desiludir os atentos leitores desta versátil rubrica) acasos simples. Explico-me melhor? Seja: a maior parte dos tipos que conheço e que não andam, mereciam andar.

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