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14.2.06

Notas sobre a distância

O que mais estranho são as extrapolações, as análises sistémicas, as explicações das culpas colectivas. Já se fala nas cruzadas e nas explicações cruzadas de Amin Maloouf. Aliás, já tardava.

E a questão sempre foi tão simples: nenhum de nós, ocidentais, mergulhado na profunda adoração do nosso bem viver farto e abundante, tão farto e abundante que nos sobra tempo para tagarelar pela liberdade que nos deram de bandeja, tão instalada que há muito que ninguém se esforça para dela se apropriar; nenhum de nós, ocidentais, para quem o padrão do Bem e do Mal é o nosso ponto de observação, conseguiu (ou conseguirá) entender as razões da indignação de quem idolatra os símbolos que o jornaleco espezinhou.

Estranhamos, claro. Estranhamos porque somos bem educados e bem nascidos e quem não é bem nascido, no mundo ocidental, é um parolo ou um excluído a quem se deixa intacta a liberdade de expressão, mas para falar sozinho, enquanto dedicamos toda a nossa atenção aos bem nascidos porque são mediáticos, ainda que nem o berço nem o mediatismo lhe tenha vindo à posse por mérito de pensamento.
E idolatramos, pois. Mas idolatramos cromos de colecção, como a Madonna e o Mourinho, a quem prestamos mole e inerte reverência pela riqueza, pelo talento para tudo e para nada em particular, pelo neon que exalam dos poros, por saltarem bem no vazio. Sem que nos importemos que os satirizem, porque a nossa adoração tem uma boa parte de invejazinha, de ressabiamento, de atracção-ódio porque eles são e nós, que também não somos divinos, queríamos ser também.

Esta oligofrenia colectiva, hermética, alimentada por ruídos de fundo que procuramos para nos proteger e para nos impedir de pensar muito com o risco de pensar bem, só podia, claro, impedir-nos de olhar para fora da janela para perceber, para além da violência, as causas da ignomínia em que nos colocamos de cada vez que, de fácil e confortável mão no peito, falamos na liberdade de expressão como a sorte que nos bafejou e censuramos putativos colaborateurs dos protestos islâmicos, enquanto continuamos longe de perceber que aquela fúria tem tanto de genuína como de cega e que, quanto mais infinitamente livres nos proclamamos, mais ferimos de morte as nossas causas perdidas.

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