Air on G String
Sem ter cumprido a tradição de visitar a feira do livro do Porto, acabei por visitar uma outra feira mais modesta e bem mais pequena onde encontrei um livro de contos de Cervantes e o primeiro romance de Sthendal. Trouxe-os comigo sabendo que, independentemente de me terem custado um euro cada um, ambos teriam o exacto valor que eu lhes quisesse dar. Decidi, então, dedicar-me ao Cervantes, por atracção à estremadura espanhola quando ainda não se chamava Castilla-La Mancha, em que penso sempre assombrada por um eterno D. Quixote inevitavelmente libertador das amarras prosaicas que nos prendem à existência, conveniente, das relações de poder e de culpa. Num conto chamado Casamento Ardiloso, Cervantes ensaia-se num colóquio imaginário em que Berganza e Cipión conversam longamente sobre os homens. Conversam porque se respeitam, porque prezam a companhia um do outro, porque sabem ter mais a aprender do que a ensinar. Berganza e Cipión são, note-se, dois cães. Não sabem de si a não ser quando conversam. Nada nem ninguém os prende. Ninguém os ama nem ninguém os rejeita.Curiosamente, o país arde mas os dias estão mornos. Curiosamente também, sabemos o que é que nos traria o calor. Sobra-nos o conforto de saber que ter consciência do calor que nos falta é, ainda assim, bem mais quixotesco do que julgar-se aquecido.
Lembro, tal como expliquei ali em cima, que D. Quixote tem virtudes redentoras.
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