blog caliente.

2.7.05

O oportunismo e as utopias

No Blasfémias há quem mostre indignação perante aquilo a que se chamou a arrogância do Ministério das Finanças em fiscalizar os aumentos dos preços para impedir aproveitamentos fora de época. Já se sabe que, para um liberal moderno, a economia de mercado é algo de tão inviolável como o direito à vida. Ou como o direito à hetero-determinação das nações, largamente cultivada pela administração Bush. Ainda que se saiba que centenas de milhares de portugueses vivem em situação de pobreza permanente e que o número de desempregados está muito perto do um milhão de pessoas. Importante, acima de tudo e de qualquer coisa, por muito nobre e justa que seja, é manter a nossa imensa liberdade de comprar a qualquer preço.

Para além disso, que isto por si só justificaria, senão a concordância com a medida, ao menos um sensato silêncio, o João Miranda esqueceu-se de um dado fundamental: o de que não é lícito aproveitar um aumento da carga fiscal para encapotar um verdadeiro e próprio aumento dos preços com o objectivo, como ele próprio diz, de engordar as margens de lucro. A isso chama-se oportunismo em qualquer parte do mundo, mesmo nas economias de mercado. Eu tenho como certo, salvo melhor opinião, que uma das funções do Estado (e que nem sequer é privatizável) é a de nos defender dos oportunistas. E quero crer que, na utopia cor-de-rosa do João Miranda, não há lugar a oportunistas (ou haverá, mas suponho que os oportunistas são castigados no fim).

Perante o patente constrangimento da tese liberal, é fácil concluir, assim, que o Ministério das Finanças age com arrogância. Um dia, alguém defenderá que qualquer condicionamento à livre economia de mercado é um atentado aos direitos (entretanto solidamente adquiridos) dos cidadãos que se dedicam ao comércio. Uma intolerável ingerência do Estado na esfera individual dos cidadãos comerciantes. Quem sabe, talvez, um neto do João Miranda que tenha estudado e acarinhado as belas utopias do avô.

View blog authority