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19.4.05

Encantos de besugo

Há muito, no futebol, de encantamento.
E de suor, também. E de palpite: a argúcia momentânea que compensa.
A gente quer ter encantamento, sempre. Mas nem sempre temos ciência, no nosso deslumbramento exigente de pagantes (detesto esta palavra, que parece conferir direitos adicionais à cidadania rica, mesmo num campo da bola), do suor que os outros gastam a encantar-nos.

Nem sempre se encanta. Nem sempre encantamos. Há dias que, de escuros, parecem encardir, ainda mais, um trabalho de mineiro: trabalho árduo que ninguém vê. Nos sítios em que o esforço e o sacrifício são valorizados, os mineiros são bem pagos.
Ser mineiro é escavar o medo com a força toda da duvidosa fé de, um dia, ver luz forte e permanente, sem poeiras de morte.

Hoje, o Sporting jogou mal. Não dominou. Não controlou. Não encantou. Mas, de forma cristalina, limpamente, enegrecido do suor da mina, ganhou.
E isto redobra a minha fé. A minha fé é sempre em dobro, na vida toda. Sofro com ela, com a minha fé, com a minha vida. Sempre de calças na mão, uma mão nas calças outra agarrada ao medo, a ver se o esmago. Mas fé, a fé que esmaga o medo, tenho-a. Procurem-me num qualquer zoo sociológico, daqueles perto de vós, ou num conclave pequenino.
Tenho fé. Agarro-me a ela sempre que tenho medo, sempre que não sei muito bem o que fazer e tenho de fazer alguma coisa. Sempre que quero muito.

Peço ajuda, mesmo a quem não sabe muito bem como ajudar-me. E recebo-a sempre, à ajuda que me dão, doce carícia de quem me oferece querer e crer, como reforço da minha fé. Sinal de que não devo ser mau tipo e que amo gente boa.

Cerro os dentes muitas vezes e, dizem-me, castigo imenso os maxilares, às trincadelas, mesmo em momentos que se queriam calmos. É sina minha, de besugo que se não fez sozinho nem em calmarias de regatos. Sei que, de forma inevitável, o que puder correr-me mal, deixado em caldo desatento de cultura, correrá mal. E que o que puder correr-me bem dependerá, sempre, da minha sorte, do meu empenho e do de quem me quer, crendo-me.
Não acredito no bafo fácil da fortuna. Acredito nas vantagens dos bafos cansados do empenho.
Sou dos amigos, de quem quero e de quem me quer. Quero quem me quer, não sou hipócrita.

Cuidado com o Porto, voltando ao futebol. O FCP. Tem lá gente com olhos de quem quer, também. Como nós temos.
A ver quem quer mais, neste dirimir de quereres que é o meu encantamento.

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