Livros, música e cheiros
Li um livro pequeno mas muito bonito. Conta parte da história duma mulher, mas parece que também podia ser parte da história dum homem. É um livro de onze anos que se folheia em vinte minutos, lendo depressa. Lido devagar, com calma, percebe-se que é um livro que ainda não tinha acabado de ser escrito. Cheira, ainda, a tinta fresca. É esperar que seque, para não esborratar, e pôr na estante da memória. Não tem título. Estranhei isso.A memória é um local antigo e empoeirado que espera a limpeza segura do primeiro ACV.
Uma isquemia da memória tem critérios para internamento numa U-ACV? Se tiver, manolo, guarda-me uma dose competente de fibrinolíticos, que eu quero recuperar de mim. Se tiveres de usar CVC usa-me a subclávia direita, que a esquerda é do lado do coração.
Estou a escrever e a ouvir o Cura. Podia ser outro, mas calhou trazerem-me este, hoje, a casa. Ninguém esteve para me aturar e foi-se tudo embora. Eu estou aqui, ainda. Abandonam-me sempre quando preciso e, quando me querem, fico bem sozinho. Tenho um historial de desencontros que nem eu entendo, por serem tantos, tantos. "Nunca hás-de aprender", disseram-me um dia. "Pois não".
Cheira a restolho molhado, perfumado. Há incêndio por perto, não se vê mas sente-se. Cheira bem, porque molhei a terra com água e isso atenua o fogo que o ar me traz. Os quatro elementos que me transtornam me sossegam. Ninguém é dono de si sem se acorrentar e eu não gosto de correntes em ninguém. Só de ar.
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