IP4 - Uma história (II)
1. O Daniel (ele não se importa que diga o seu nome verdadeiro) tinha 13 anos, veio com a família a Trás-os-Montes em passeio num fim-de-semana: com os pais e com a irmã. De regresso a Lisboa, em circunstâncias nunca apuradas com rigor (seguros... testemunhas...) o veículo onde seguia toda a familia, sofre um embate numa recta, no IP4 - Marão - junto á aldeia da Boavista. Duas mortes (os pais), um ferido muito grave (o Daniel) e fractura de costelas e coluna na irmã. Tomei contacto com o miúdo após admissão no serviço, proveniente do bloco operatório. Estado clinico muito grave: polifracturado, lesões múltiplas e complexas, probabilidade de sobrevida muito reduzida. Com necessidade de todas as medidas de suporte avançado de vida disponíveis.2. Mas o Daniel resistiu, acabou por vencer batalhas e no fim, a guerra. Cada vez mais lúcido, começamos a perceber a sua angústia crescente em saber o que acontecera aos seus familiares. A equipa de saúde ficou extremamente perturbada com o facto, por ninguem querer ou saber dar-lhe a inevitável notícia. Como resolver este problema terrível: o olhar, a ansiedade, a angústia, a pergunta fatal: - "Sr Dr o que aconteceu aos meus pais" ? Resposta: - "Oh pá, ainda bem que perguntas porque ainda não sabemos..." E era assim que adiávamos a situação!
3. Ao falar com a irmã (internada em Ortopedia) percebemos que eram uma família muito religiosa, praticantes da Igreja Evangélica. Como um dos meus grandes amigos também o é, o meu contacto com ele permitiu-me perceber melhor a perspectiva dessa corrente religiosa relativamente á morte. Abordamos a irmã do Daniel com o objectivo de ser ela a dar a notícia, solicitação a que acedeu prontamente, antes mesmo de nos agradecer emocionada por esse "previlégio" (sic).
4. Por questões de logística (espaço, equipamentos tecnicos) foi difícil, mas lá conseguimos juntar as camas dos dois irmãos no hall de entrada do serviço. Nem tenho palavras para vos descrever a alegria do reencontro! Abraçaram-se emocionados, felizes, longamente. Mas, no minuto seguinte, lá veio a pergunta fatídica: - Então e os nossos pais, que aconteceu ?. Mandaram dizer-te que não te preocupasses com eles. Porque estão bem Daniel ! Estão com Deus.!
5. E os dois irmãos choram muito (e nós, escondidos, também). Depois sorriram, e agradeceram-nos. Não esqueceremos nunca a expressão de alívio do Daniel, nos dias seguintes, e dois anos depois quando nos veio visitar - agradeceu-nos "de todo o coração, tudo-o-que-fizeram-por-mim" .
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