O Porto perdeu
A gente vai ganhando e empatando e, um dia, perde. Isto é uma inevitabilidade. Toda a gente sabia que o Porto ia acabar por perder um jogo, sem ser com o Milan ou o Real Madrid. Até porque o Milan e o Real Madrid também perdem com equipas mais fracas que, numa dada ocasião, foram mais fortes. Apenas Mourinho e alguns indefectíveis crentes em perfeições inexistentes pareciam acreditar na invencibilidade inevitável dos dragões.O Porto, que é a equipa mais consistente de Portugal, perdeu e perdeu bem. Conforme teria perdido bem em Alvalade e na Luz, ou empatado bem com o Moreirense, por exemplo, se nessas 3 ocasiões não tivesse tido a sorte que, hoje, lhe faltou.
Se as minhas avós não tivessem morrido, ainda hoje fariam tricot, juntas, à lareira deste Abril frio. Não é das contingências, do "hasard", que quero falar. É do discurso final de Mourinho, hoje. Surpreendente? Não. Acreditem ou não, adivinhei-o. Eu sabia que ele ia queixar-se da falta de sorte, que ia falar daquele sortilégio partilhado por todos os treinadores do mundo que reza "hoje podíamos estar aqui a jogar durante 4 horas que não marcávamos", que ia dizer aquela frase lapidar "quem não marca, sofre", que ia aconselhar o Sporting a ganhar o jogo de amanhã para ver se fica em segundo (aqui foi provocado, era difícil a Mourinho dizer outra coisa que não fosse "fugir para a frente"), que ia acabar por sorrir e dizer, tentando atenuar o despeito, que "a ter que perder que fosse com estes, em não podendo ser com o Leiria do amigo Pontes".
Mourinho, que parece ser um bom treinador, que deve ser trabalhador e competente como Fernando Santos, Camacho e Del Bosque, deixou de poder contar com a arma de arremesso adicional que tinha: já não perdeu, apenas, com os grandes da Europa. Esvaziou-se-lhe a boca, como era de prever. Já admitiu que a sorte, em lhe faltando, o vulnerabiliza tanto como aos outros. Só não reconheceu que, ainda por cima, foi beneficiado por um árbitro que, bem cedo, não viu as mãos de Baía a evitar um golo, em falta, cerca de 3 metros fora da área. Evitou, desta forma, aos seus crentes, a suprema desgraça de o ouvir dizer que, como toda a gente já sabia, o Porto é tão beneficiado como os outros. Pelo menos, embora às vezes pareça que é mais.
Tudo o que acabei de dizer retira mérito ao Porto? Quer na sua liderança no campeonato, quer na sua excelente prestação na liga dos campeões? Não retira. Nem eu quero que retire. Nem tal é possível, em nome da boa fé: o Porto merece, provavelmente, ser campeão.
O que têm de me desculpar é o meu singelo regozijo perante mais esta possibilidade de "humanização" que é fornecida, de bandeja, a José Mourinho. O regozijo vem-me, afinal, de saber que ele vai desaproveitá-la, uma vez mais. Porque não passa dum Mesmer robótico, dum encantador de serpentes de pequeno porte, com cada vez mais ridículas ânsias de infalibilidade. Por isso nos pareceu a todos, esta noite, uma criança birrenta a quem tivessem tirado (justamente) um docinho que, afinal, bem vistas as coisas, todos sabíamos não lhe pertencer. Há muito tempo.
Às tantas, o Sporting também perde com o Braga, amanhã. O que não invalida rigorosamente nada do que eu disse. Pelo contrário.
<< Home