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3.4.04

Esgares modernos


Mais um naco de TVI, pela boca da Dra. Manuela Moura Guedes. Que é como quem diz, pela grande boca do “povo que lava nas SMS e nas notas de rodapé”. Eu tenho de me forçar a assistir a coisas assim, às vezes, porque sei que é um exercício essencial ao meu entendimento da civilização europeia ocidental. Aliás, mais ocidental que isto, não há, até vem nos livros de Geografia Relativa. Hei-de ver, depois, se existe mesmo esta ciência.

Nesta fase da minha vida esforço-me por reter, apenas, aquelas peças de reportagem que a Dra. M.M.G. sublinha com aquilo a que eu chamo, reverentemente, a expressão “garbage number one”. É uma expressão anglo-saxónica, como sabem. Não me refiro à mímica facial da Dra. M.M.G., outrossim à designação que adoptei para o esgar tipo “cheira-me aqui, valentemente, a bosta”, que a peculiar apresentadora de notícias ostenta sempre que lhe apraz. Pensando bem, a cara da senhora tem algo de anglo-saxónico, numa vertente predominantemente inglesa (sendo consabido que os ingleses são, indiscutivelmente, o povo mais feio do mundo). Sobretudo quando assume aquela postura de “prévia condenação, supremo nojo, avantajada imbecilidade instalada em esgalgada magreza ”.
Isto são factos, tal qual os vejo daqui. E aproveito para partilhar convosco o meu particular apreço pela palavra “outrossim”, que me faz sempre lembrar “outro gin”, e lá voltamos nós aos ingleses que, como toda a gente sabe, são mais água tónica e cervejolas futebolísticas... deslavaditos e cevados.

Bom.

1 - Comecemos pela libertação do ex-embaixador Ritto. Foi libertado, o senhor. E, na notícia da TVI, percebem-se várias coisas. Além das coisas interessantes, que serão dissecadas em locais bem mais competentes que este, eu percebi estas duas, fundamentais para a lógica processual do “povo que lava nas SMS...etc”. Para facilitar, referir-me-ei, a partir de agora, ao “povo que lava nas SMS...etc.” como “cidadãos modernos”.
Eu disse duas, são estas:
A – Que a Dra. M.M.G. acha mal a libertação do acusado e pretendeu comunicar aos “cidadãos modernos” esse superior estado de espírito, simulando uma náusea.
B– Que a Dra. M.M.G. ironiza amargamente com o papel policial que o condenável Juiz parece querer outorgar aos senhores jornalistas (e, em certa medida, aos “cidadãos modernos”), na cuidadosa vigilância do recém-libertado, papel esse que a Dra. M.M.G. pareceu achar levemente inadequado. Curiosamente, exprimindo esse desagradado desdém uns breves minutos antes duma outra peça, que vou referir a seguir e que, por uma lógica inexorável, vou fazer preceder do algarismo 2.

2 – Nesta outra peça, a Dra. M.M.G. enfatiza a tendência para a aceleração automóvel, manifestada por alguns ministros(as) durante perseguições entusiásticas de jornalistas da TVI que, curiosamente, circulavam à mesma velocidade, a bem do rigor jornalístico e da (afinal em que ficamos?) notória vocação policial da extraordinária estação televisiva. Donde se depreende que a primeira náusea da Dra. M.M.G. não foi desencadeada, de facto, pela rejeição de qualquer vocação judiciária das suas equipas de reportagem! Antes entronca numa certa inadequação moral da estação para a vigilância de ex-embaixadores acusados de pedofilia, mais orientada que está, até pela excelente “persistência” global ostentada, para funções de ... brigada de trânsito. Que é da GNR, esta excelente brigada, eu sei. O que me retira, completamente, a razão, mas não a pertinência. Nem a pertinácia.

3 – A referência inevitável da TVI é a morte. A morte, para a TVI (e para os "cidadãos modernos"), é um evento que, em caso de dúvida, ocorre sempre embrulhado em panos de mistério e culpa. A expressão “a culpa, em Portugal, morre sempre solteira” é um atavismo que, para além de se ir tornando maçador pela depressiva repetição, traduz uma pouco explorada e glosada vertente machista dos nossos inefáveis “opinion-makers” de segunda. Admira-me como ainda não apareceu nenhuma mãe solteira a propor a introdução violenta do objecto “culpa” no orifício anal de qualquer “cidadão moderno” que utilizasse aquela boçal, redutora e inestética expressão. Mas enfim.
Isto veio a propósito duma criança que morreu em casa, depois de ter ido 3 vezes ao Hospital. Tinha febre alta, ter-lhe-ão diagnosticado uma infecção respiratória, foi medicada (a receita que a TVI mostrou apresentava a chamada medicação ”standard” para uma infecção do tracto respiratório superior) e, lamentavelmente, morreu.
E, a partir de agora, vou falar a sério, porque a morte é mais séria do que a TVI pensa. E porque juízos de valor apriorísticos, mesmo que expressos, apenas, pelos desdenhosos esgares duma detestável criatura, não devem passar em claro... a não ser pelo crivo permissivo dos “cidadãos modernos”.
As camas de Hospital, só por si, não tratam doenças. Nem doentes. São os remédios e os cuidados adequados que o fazem. O internamento (atitude fácil, que evita mais de 90% dos problemas criados aos médicos que trabalham em Hospitais, “até ficou internado, que simpáticos!”) tem critérios definidos, que passam por avaliações feitas por pessoas treinadas a fazê-las. Duvide-se ou não do seu treino, os pediatras que viram aquela criança observaram-na com cuidado. Isto foi admitido até pelos pais, que estão, obviamente, muito tristes. E querem explicações genuínas, com profundamente justo direito. Não é isso que está em causa, valha-nos Deus. A morte duma criança é um acontecimento profundamente triste e grave.
O que também é grave, embora todos entendamos que seja menos, é que, perante uma explicação fornecida por um pediatra (que deu a cara, tentando explicar o sucedido), com o mesmo grau de poder discricionário com que rejeitou o policiamento de Ritto para aplaudir, depois, a vigilência do excesso de velocidade das figuras públicas, com a mesma expressão de galinha esperta em vésperas de cabidela que a caracteriza sempre, a Dra. M.M.G. se substituiu, como faz sempre, ao senso comum, ao poder judicial e à pedagogia, encontrando logo ali, na lamentável morte duma criança (eu também tenho filhos, mas não me lixem!) um bode expiatório que a contentou a ela, à senhora e, vitoriosamente, terá incitado mais "cidadãos modernos" na sua colectiva e moderna caminhada rumo ao linchamento de quem quer que se veja, de repente, na mira dum indicador mal lavado.
A lição que a distinta Dra. M.M.G. pretende ensinar aos “cidadãos modernos” é a seguinte: julguem sempre antecipadamente e, sobretudo, julguem e punam pela consequência. Isto pode ser, e muitas vezes é, uma profunda injustiça.

4 – Tenho todo o respeito do mundo pelos direitos das pessoas. Vivo disso, às tantas. E, creiam ou não, sou uma delas. Um besugo gente, se calhar. Um cidadão comum e solidário.
"Cidadão moderno", norteando a vida por notas de rodapé e por esgares estúpidos, isso não quero ser.


Comecei num tom e acabei noutro. Problemas de quem não faz rascunhos dentro da alma, desculpem qualquer coisinha...

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