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29.2.04

Há formas mais inteligentes de obter protagonismo.

Na Visão desta semana, Freitas do Amaral respondeu a cinco críticas que lhe foram feitas acerca daquilo a que ele próprio chama uma "reflexão em voz alta" sobre o aborto. Como eminente e sabedor jurista que incontornavelmente é, devia ele saber que não devia defender soluções frágeis para resolver problemas difíceis, se o faz com objectivos mais políticos do que sociais. Retirado das luzes da ribalta política sem que, no entanto, logre disfarçar as suas pessoais ambições (se não na participação política activa, ao menos no reconhecimento do seu estadismo conservador), entendeu divulgar uma opinião, ao que diz, reflectida, mas que, contudo, valeu muito mais polémica por ser ele quem a profere do que pelo seu próprio conteúdo, que é pouco mais do que circular.

Freitas do Amaral sabe que ao defender a regulação legal do aborto através da aplicação da figura do estado de necessidade desculpante deixa aos agentes da justiça o pesado fardo da decisão casuística sobre a (in)evitabilidade dessa prática. No entanto, afirma ser "hipocrisia pretender descarregar para cima dos juízes uma tarefa que é do Poder Político", ao mesmo tempo que recorda que, segundo a sua proposta, "perante um caso evidente de aborto praticado em "estado de necessidade desculpante, o Ministério Público nem deduzirá acusação -, portanto, não haverá julgamento". Bendita candura. Já agora: o que acontece se o caso não for evidente?

Apesar da aparência progressista-conciliadora, esta proposta nada resolve, porque nada acrescenta. Tudo se passa dentro e no espírito (hipócrita, como ele próprio refere) da lei constituída. A proposta de Freitas do Amaral é, no fundo, uma não-proposta que acompanha, no essencial, (talvez intencionalmente, conforme se lê das entrelinhas do artigo) a não-posição do PSD sobre o aborto. Ora, para isto, mais valia ter dedicado estes esforços de reflexão pseudo-humanista à reforma do sistema prisional, onde se tem saído bastante melhor.

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