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24.2.04

Brahms


Tenho um disco antigo, daqueles de 45 rotações, que ainda toca. Já não tenho é onde o ouvir, há sempre coisas que se perdem nas mudanças e no tempo.
Foi o meu padrinho, que é cego (não de nascença, deixou de ver aos 12 anos, meningites antigas), que mo deu. Ironicamente - e isto eu sei, porque me lembro - deu-mo no dia do meu 12º aniversário.
Foi o meu primeiro disco. O meu pai tinha-me oferecido um daqueles gira-discos que pareciam uma maleta, abria-se e dum lado ficavam o prato e a agulha, sendo a tampa um simples altifalante disfarçado. Recordo-me, até, da marca: era um Geloso!

É um disco pequeno, de capa amarela-ocre. Tem lá o meu nome, escrito pela minha mão de rapazelho. Escutei-o muitas vezes, naquela altura. Tinha duas músicas, apenas. Dum lado Mozart, do outro Brahms. E eu ouvia, nessa altura, quase só a música de Brahms. Coisas de petiz.
O 3º movimento da 3ª sinfonia de Brahms pareceu-me, desde essa altura, muito bonito. Ainda hoje me parece a sua mais bela e simples melodia, mesmo tendo ganho ciência, com o tempo, da sua restante obra.

Mas eu nem sequer tinha pensado em escrever isto tudo. Muito menos em parecer o que não sou: um conhecedor dos clássicos.
Não, o que me levou a escrever esta curiosidade foi a figura que coloquei ali em cima. Encontrei-a por acaso, esta noite, enquanto evitava pensar na minha falta de vontade para carnavais. Pouca graça terá, como todas as pequenas verdades que pomos cá fora, assim um pedaço "fora de contexto". Mas é aquela estampa que identifica Brahms no meu pequeno disco amarelo.
Provavelmente, a figura rubicunda e barbuda em que se tornou, acabou por tomar conta da maior parte das lembranças dos que gostam de o ouvir. Mas o meu Brahms foi sempre aquele, ali em cima. Achava-o bonito, triste, intenso. Sobretudo triste, como quem se despedisse.
Mas eu só tinha doze anos. E nem sequer sei se digo, agora, o que me pareceu nesse tempo, ou se apenas me recordo de mim, visto de longe.

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