foice em seara alheia
Ou seja, quem trabalha com caneta manifestamente não sabe usar um estetoscópio (e nem sabe o nome de mais nada, salvo do bisturi, que não deve ser ferramenta usual em internistas).Mas da leitura do antecedente blog do besugo retiro várias coisas. Primeiro, o que já sabia: a profissão de médico, se vivida "hipocraticamente", sujeita-o a situações, escolhas e decisões que, pela gravidade das suas consequências, constitui pesadíssimo fardo. Segundo, que o sistema hospitalar português está longe de ser perfeito. Terceiro, que as urgências são cenários "de fugir", quando se é médico, e cenários "de correr para lá", se se é enfermo e se se está aflito.
Delas (das urgências) tenho a experiência de quem não toma decisões, mas a de quem coloca, em estado de fragilidade e vulnerabilidade muito grande, a sua vida ou o seu sofrimento nas mãos de um(a) desconhecido(a).
Não conheço situação pior, do ponto de vista humano. Reduz-nos a um monte de carne, ossos, tecidos, fluidos e demais componentes orgânicas. E agiganta esse desconhecido ao estatuto de Senhor do nosso sofrimento e, eventualmente, de único redentor do mesmo.
Não conheço situação pior, repito. Mas admito que seja pior ser-se esse desconhecido. Pelo menos até ao momento em que a pressão se torna rotina, em que as pessoas se tornam utentes, em que os seus corpos doentes se tornam apenas em sacos de ossos, carne, tecidos, fluidos e etc.
Obviamente, para o besugo ainda não é assim. E aposto que no dia em que o garagista da capital de distrito que buzina e ultrapassa à "lagardere" lhe caia nas mãos - se calhar politraumatizado - o besugo o vai tratar com humanidade e pena pela dor dele (mesmo que entretanto pense "estava-se mesmo a ver que acabavas nisto, meu sacana"). E se calhar passa a noite com ele a falar amenamente das "empata-bichas" estúpidas que se deixam fascinar pelas matrículas dos camiões do LIDL na estrada de Santa Marta.
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