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2.12.03

Sem assunto

À superfície, transparecia um homem calmo, mais sisudo do que sorridente. Tinha modos suaves, gestos pausados. Ouvia mais do que falava. Como costuma, inevitavelmente, acontecer com os bons ouvintes, ninguém o ouvia a ele. Não que ele precisasse que o ouvissem, porém. Paciente até à exaustão, sempre disponível, sempre assegurando que a bonança viria, depois da tempestade. Fortemente presente, sobriamente marcante, indispensável a quem ele dedicasse a sua selectiva atenção.

Esse homem tinha um segredo. Uma dor. Um amor descoberto ao acaso, mas que o prendeu para sempre. Era mais amante do que amado, o que o prendia ainda mais. Consumava esse amor furtivamente, ao sabor das possibilidades. Mas amava, ainda assim, sem tréguas e de forma incondicional, mesmo sem receber (quase) nada em troca. E ninguém sabia quanto ele amava. Mas sabia, ele, que a sua vida havia de estar irremediavelmente presa àquele amor que o faria sofrer, só porque o fazia feliz. Porque amava. Raramente, só muito raramente, lhe transparecia na expressão o reverso triste desse amor, porque sabiamente escondia aquela dor feliz que ninguém lhe amaciaria. Muitos anos passaram. E ele assim se manteve, só com a sua dor, com o seu amor impossível e anacrónico, no que restava da sua vida. Tornou-a suportável, rodeou-se de amigos, quase todos mais amados do que amantes. Muito poucos perceberam que ele tinha sido, em poucos momentos fugazes, infinitamente mais feliz do que eles.

Era só isto. Um post sobre um homem que sofre com grandiosidade.

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