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29.11.03

Performances

Oito horas, fim de tarde. Fechei a porta do gabinete e iniciei a entrevista. A avaliada mostrava-se expectante, algo assustada. Eu também, depois de ler a papelada que me mandaram os cinzentos e pastosos colegas dos recursos humanos, aqueles que passam anos a produzir papéis inúteis para preencher, sempre acompanhados de manuais de instruções, indicador este que, só por si, diz muito sobre a obscuridade imbecil dos papéis em questão. O processo de avaliação vinha, portanto, acompanhado do sempre presente manual de instruções, que li na diagonal uns minutos antes. Proactividade, acolhimento, competências técnico-funcionais, projectos para o futuro, objectivos para o próximo ano, avaliação funcional, o caraças! Detive-me, então, mais atentamente, em algumas afirmações intrigantes. "O avaliador deverá procurar fazer a entrevista num local que garanta a privacidade, em honra à intimidade do avaliado". "O avaliador deverá procurar avaliar, de boa fé, as competências do avaliado"."Sempre que necessário, o avaliador deverá assegurar-se de que o avaliado compreendeu os comentários feitos à sua performance no período em avaliação". Donde se retira, inevitavelmente, que os avaliadores são uns sacanas que aproveitarão a entrevista para convencer o avaliado de que ele vale menos do que zero na organização: daí o alerta oportuno e expresso à boa fé. Estive para me impôr um retiro espiritual, de forma a buscar essa bendita boa fé dentro de mim, purificando-me dos meus pecados antes de iniciar o tão sagrado acto de avaliar. Por seu turno, os avaliados são colaboradores pouco dotados de neurónios, presumindo-se que muito provavelmente eles não compreenderão à  primeira explicação os comentários que lhes dirija o avaliador. Já imbuída da mais pura e abundante boa fé, tratei imediatamente de arranjar papel suficiente para rabiscar os desenhos que se mostrassem necessários para que a avaliada, coitadita, ficasse por todas as formas esclarecida das verdades cruas que eu lhe iria ditar. Se dependesse de mim, o cerebrozinho - genial, admito - que um dia inventou os sistemas de qualidade nas empresas devia estar preso o tempo suficiente para o obrigar a inventar um sistema de descomplicação, ficando expressamente proibido de nele usar expressões nauseabundas como performances, brainstormings, outcomes e afins.

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