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28.11.03

As aventuras de Dupont

Engano número 1 de Dupont
Eu não sei se você é uma pessoa genuinamente desatenta, Dupont. Talvez seja, mas também pode acontecer que se trate duma pessoa extremamente selectiva na triagem da informação que é colocada ao seu dispor, deixando-se penetrar, apenas, por aquela que lhe interessa mais, lhe parece mais bela ou mais estimulante.
Seja como for, ou por desatenção, ou por excelente filtragem, você não reparou (ou não lhe apeteceu reparar) que, apesar de o ter feito de forma lerda e desengonçada (é a história dos pilritos, do Eça...e eu chamo-me besugo pilriteiro lopez), eu lá respondi ao seu amigo Dupond, aí para baixo, sobre a questão das Faculdades de Medicina. Ou melhor: eu esguichei, conforme pude, o que pensava sobre a questão, sem pretender estender uma polémica que ameaçava deslizar para aquela coisa desinteressante em que, inevitavelmente, o Dupond me atiraria à cara que “você fala assim porque é de esquerda e, mais irrelevante do que isso, é do curso de 1985!” E eu, envergonhadamente, teria de me calar, até porque as verdades do Dupond são duras como punhos, pelo menos na opinião de Dupond ( e, como eu também lia o Tintin e o leio a si agora, nem lhe pergunto se concorda).
Ou seja, você diz que o Dupond me calou, mas não me calou, de facto. Deve ter sido a tal questão da sua desatenção, ou da sua triagem exigente, estou em crer.

Engano número 2 de Dupont
Desaustinado, você rotula-me de esquerdista e idealista, acusando-me de ser conivente com varreduras para a valeta de sociedades que se atravessaram no nosso caminho (idealistas e esquerdistas, suponho eu, somos nós... enfim, esta corja que nós somos).
Bonita vai a conversa. Não pode um besugo fazer um sorriso perante uma “atravessadela” do vilacondense que lhe é logo aposta rotulagem? Quer dizer: vocês, aí, postulam que “a Direita está viva, sabe o que quer e, melhor, sabe escrever o que quer” ...e que a Esquerda “...lá vai acenando a sua presença, discreta e envergonhada, com honrosas excepções, como o Barnabé ou o Blog de Esquerda”, vocês atravessam-se com isto, com este onanismo impúdico, este esgalhar sorumbático, peremptório e doutoral “com a gente a ver”, e um besugo não pode ficar divertido? Tem logo de ser de esquerda? Eu não lhe comuniquei que era de esquerda, caro Dupont! Às tantas é você que lê mais do que eu escrevo, dumas vezes, e doutras nem o que eu escrevo lê! Estranho caso o seu.
No entanto, deixe-me dizer-lhe o seguinte: não estou a insinuar-lhe que anda longe da verdade. Talvez ande perto, mas não é a bater à porta dessa maneira, às punhadas, que passa da soleira.
Quanto ao desajuste entre o idealismo e os mundos imperfeitos, muito me entristece reparar que você parece preferir desdenhar os idealismos a melhorar os mundos. Se eu fosse um polemista do seu calibre quase me atrevia a considerar que você gosta mais dos mundos assim, imperfeitinhos, e quem não estiver bem que se mude! ... Mas não considero. Acho que não deve ter sido bem isso que você quis dizer. Saiu-lhe foi assim.

Engano número 3 de Dupont
É a história dos genéricos. Você não leu (sempre desatento, ou selectivo até ao paroxismo...), certamente, outra insignificância que eu escrevi, logo acima da “besugada” que tanto o enervou. Se quiser fazer o favor de confirmar, eu disse que nada me movia contra os genéricos. Pois foi.
Por isso, caro Dupont, lá está você a atirar pedras enormes, autênticas fragas, sem necessidade. E a falhar a pontaria, ainda por cima. Sujeito a fatigar os seus pobres pulsos em vão, homem! É verdade, Dupont: eu gosto dos genéricos.
Quer saber doutra, que lhe vai dar inenarrável gozo? Eu conto-lhe: vamos lá a acabar com os compadrios todos, quer você? Conte comigo! Na medicina, na construção civil, na justiça, no jornalismo, no ensino, na arte da serralharia mecânica, onde você quiser! Em se provando que há compadres, que é preciso essa minudência (não é só bramar), soltamos-lhes os cães. Está de acordo?

Nota final ao Dupont
Agora, se tiver paciência, leia estas linhas. É só para lhe segredar mais duas coisas, pode ser?
1 – Quero ser eu, como médico, a decidir se um doente que me procura vai tomar um medicamento genérico ou não. Eu prescrevo genéricos sabe? Mas quero ser eu a assumir a responsabilidade da minha prescrição, por cujas consequências estarei na disposição de responder sempre, em qualquer caso. Perfeitamente ao dispor para explicar a quem de direito a minha prescrição, porque não tenho “rabos de palha”. Como muita, muita gente não tem, aliás. Percebeu isto? Parece-lhe mais de direita, mais de esquerda, um idealismo, enfim, que lhe parece?
2 – Você atira-me uma última fisgada, que é aquela coisa do “cambão na sacrossanta profissão...”. Quero dizer-lhe que nem esta você acertou, caro Dupont. Por estranho que lhe pareça, eu sei que os médicos são homens e mulheres iguais aos outros! Eu juro que já sabia, acredite. E que estão sujeitos às mais inconfessáveis tentações! Como os outros, Dupont, exactamente! Olhe, como os farmacêuticos, por exemplo! E na sua subscrição daquilo que eu chamei “a regra geral do interposto farmacêutico” (enfim, foi mais ou menos assim) não o vi, sequer, questionar-se sobre a imunidade desse respeitável grupo profissional às tentações da carne... Desconfia mais de médicos, é, Dupont? E, se sim, tende a medi-los, a todos, pela mesma rasa? Faz assim com todos os grupos profissionais ou só com alguns? E isso é de direita? Ou é de esquerda? Ou é só nervos?
Se for só nervos, proponho-lhe um Xanax. Mas se preferir um genérico, avise!

Com consideração.

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