blog caliente.

6.1.08

La Strada (leia-se "la carretera")




Vamos lá, tem de ser.
A Régua tem, agora, névoa. De Novembro a Março acontece muito isto, esta opacidade gasosa aqui por cima. Subimos três quilómetros, para o lado de Vila Real ou para as bandas de Lamego, e já está sol. Ou pode ser que esteja. Mas aqui não. Aqui nunca está, aqui é quase sempre este reumatismo cinzento e húmido. Depois vem Março e, por aí afora. Em Agosto, abafa-se de azul e de amarelo.
A introdução está feita.

Temos agora aqui uma ambulância. Temos agora aqui, finalmente, a segurança motriz. A viaturização unitária da infelicidade múltipla: organizem-se.
Temos agora aqui, pequenininho, o sonho de Cavaco, executado pelo seu mais dilecto e filosofex discípulo; temos agora aqui, também, o sonho dum amigo meu que, embora sem carta de condução, sonhou um dia, para ele, um Portugal assim, ele sempre a fazer de co-piloto: Portugal seria - e é -, cada vez mais, uma longa estrada, cheia de viaturas para transportar os que não estão bem. Os que não estão bem pontualmente e os que não estão bem em lugar nenhum. Os que precisam de estrada. Para chegarem ou para irem indo. E vindo. Sempre em movimento. Sentados na estrada o movimento é quase uniformemente movimentado.

Temos agora aqui, portanto, para consumo diário, uma espécie tosca da Espanha. O que temos é, penosa e árida, para consumo diário, a Espanha das férias tristes e cheias de moscas, aquela Espanha que é uma estrada preta com terra amarela à volta, aquele ermo que é a Espanha das férias no sul das férias, aquele deserto amarelo e preto de secura e alcatrão que nos enoja os pontos cardeais todos, aquela Espanha falsa que cuidamos ser a Espanha "aqui ao lado", até chegarmos a um sítio qualquer espanhol em que paremos o tempo suficiente para conseguirmos perceber que há gente que lá vive, em Espanha e, mais do que isso, vive lá e, só por isso, a Espanha já não é bem "aqui ao lado". E que, vivendo lá, ainda assim se queixa. E bem: a queixa é o intestino do coração, fica no lobo frontal, à esquerda de quem entra.
Vive gente em Ourense. Ourense tem um Hospital com uma Unidade de Cuidados Intensivos e mais merdas.

Chaves não tem, Bragança e Mirandela não têm, Macedo de Cavaleiros e Moncorvo não têm, Régua e Lamego não possuem. Tem isso, apenas, essas merdas, Vila Real.

Não vive gente, nos outros sítios - sim, aqui na Régua também não, aqui também não vive nada nem ninguém -, que não queira, em Portugal, para Portugal, senão estrada. Havendo estrada, meu Deus, parece mesmo que há tudo.
Ourense tem quase tudo, a Corunha também tem; e têm quase tudo Vigo, Pontevedra, Lugo, Ferrol, Santiago. Cuido que mesmo A Guarda tem quase tudo. Verín, sim, também tem tudo, ou quase. E há Zamora, Salamanca, Burgos, Valladolid, Badajoz e Ayamonte. Santander, Gijón, Pamplona, Vitória e Alicante. Valência. Madrid. Bilbau e Barcelona. San Sebastian. Albacete. Múrcia, Málaga e Sevilha. Cáceres e Cordoba. Saragoça e Toledo. Tarragona, Tordesillas. O caralho.
Los pueblos, "os pobos", os sítios, os lugares, a gente dos lugares.

E têm, na mesma, estradas.

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