blog caliente.

6.2.07

O vosso regozijo

m'encanta, mas não m'alegra.

Faltam cinco dias, acentua-se a parcialidade do vosso olhar e a subjectividade da vossa análise sobre as intervenções dos defensores do "sim" e do "não" nos debates a que não tenho assistido.

Mas há uma questão que me parece deliciosa e que foi aqui colocada pela lolita. Que é esta: Porque é que a questão do referendo é capciosa?

Eu coloco a pergunta, para que não restem dúvidas:

«Concorda com a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, se realizada, por opção da mulher nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Para os partidários de que "despenalizar" não é "liberalizar" (de que são expoentes importantes o Marcelo Rebelo de Sousa e a lolita, embora ele defenda o Não e a lolita defenda o Sim) a capciosidade da questão deveria ser, no entanto, evidente.

Porque, para ambos, (melhor, "segundo dizem ambos") despenalizar é que é importante.

Logo, a questão colocada no referendo deveria ser (apenas) esta:

«Concorda com a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, se realizada, por opção da mulher nas primeiras 10 semanas?»

O resto da pergunta é inútil. Ou melhor, não é inútil, porque está lá por uma causa. A de apelar ao "Sim".

Porquê?

Porque não passa pela cabeça de ninguém que a mulher que aborta, até às dez semanas, continue a poder ser penalizada criminalmente apenas porque o fez em casa.

Logo, a "condição" de despenalização que consta da pergunta é absolutamente desprovida de sentido prático.

Mais, não é isso que está em questão, porque se o aborto até às dez semanas for despenalizado, e passar a ser acto legítimo, a ser considerado "acto médico" será necessariamente nos estabelecimentos de saúde que a sua prática vai ocorrer. (passo em claro que passará a ser uma espécie de eufemismo chamar "estabelecimentos de saúde" para locais que têm zonas próprias para a execução de fetos).

Em todo o caso, a regulamentação da execução de abortos em hospitais e clínicas, públicas e privadas, a taxa moderadora (ou a conta) que se paga, etc. ... extravaza manifestamente da verdadeira questão levada a referendo.

Assim, só há uma explicação para a segunda parte da pergunta: está ali para causar ruído, para "adoçar" o teor do que se pretende, para lembrar o povo votante de que o que se pretende é uma coisa "limpa", esterilizada e higiénica. Reconfortante, institucional e mesmo asséptica.

Como técnica de elaboração de perguntas em que se pretende obter uma determinada resposta, está muito bem. É capciosa, mas está bem feitinha.

Imaginemos a seguinte forma de fazer a mesma pergunta:

«Concorda com a despenalização do aborto, por vontade da mãe, até aos dois meses e meio de gestação do feto, desde que este seja morto em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Formalmente, não lhe vejo nada de mal. Usei a expressão aborto em vez de IVG. A expressão "vontade", em vez de "opção", "dois meses e meio" em vez de "dez semanas", e até expliquei melhor o que é fazer um aborto, ao dizer "desde que este seja morto". (Porque realizar um aborto é matar um feto, não é? Desculpem lá se não for, às tantas sou eu que ando enganado pela desinformação da campanha do "Não")

E prontos, acho que esclareci a capciosidade da pergunta que vai a referendo. Sempre me pareceu que o Castro Caldas é um gajo que não se explica convenientemente.

PS - Continuo, no meu pessimismo habitual, a achar que vai ganhar o "Sim". É menos convicto do que o "Não", mas o caminho de resolver o fenómeno do aborto da maneira mais fácil (mandando-lhe com uma lei para cima) é o mais tentador. Em todo o caso, continuo expectante. E, como já aconteceu em 1998, estes referendos são uma boa maneira de pôr as pessoas a pensar (mais) um bocadinho. Já é qualquer coisa.

Só lamentarei, se ganhar o sim, que por cá aconteça o que aconteceu em Espanha onde, entre 1996 e 2005 o nº de abortos passou de 51.002 ... para 91.664 abortos!

(o link acima é só para quem quiser ver. Não é do "Sim" nem do "Não", são os dados oficiais do Estado Espanhol. Têm lá tudo, fria e metodicamente colocado em números. Por região, por estado civil, por situação laboral, por habilitações académicas ou situação escolar, etc. São números que dão que pensar, e arruinam alguns mitos.)

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