Estudem o folhoso
Ainda bem que há tipos que estudam coisas de gestão e doutras inteligências fundamentais, para depois poderem doutrinar sobre espantosas descobertas, como esta assim:«Se não melhorarmos os serviços oncológicos ao longo da Europa, mais pessoas morrerão porque não tiveram o melhor tratamento»
É este aqui, sobre isto, e o Lobo Antunes a doutrinar sobre a escrita:
"A propósito, o autor revelou que começou um livro quarta-feira e que ainda não aproveitou «uma única linha, uma única palavra», acrescentando que sabe que «vai ser assim nos próximos dois ou três meses». "
É só darem-lhe uns meses, portanto, vá lá, podem ser três, a contar desde uma quarta feira que ele escolha, que ele escreve qualquer coisa que ele aproveite.
A questão de saber se o que ele escreve (vá lá, em dezoito meses) aproveita aos outros situa-se, para ele, fora da literatura.
Eu até concordo, ele escreve o que entender, aliás eu quero que ele se foda na mesmíssima quantidade (e qualidade) que ele quereria que eu me fodesse se eu lhe desse hipóteses de ele me ler. Para isso ele teria de ter um blogue e eu faria linque para lá.
E, em sendo assim, ele leria, embora depois pudesse fazer de conta que não, provavelmente por causa dessa coisa que ele descobriu agora, que é "a humildade orgulhosa".
Mas ele não tem um blogue. Tem alguns blogues e meia dúzia de xarrocos que lhe batem umas pívias despudoradas, isso tem, mas não tem um blogue que seja dele. O resto, por besugo, é fraca pesca.
Também, um blogue actualizado de três em três meses, valha-nos Deus: até o chumo o batia em visitas e aprendizagens. E em tudo.
Prefiro-lhe as crónicas; e, isso mesmo, porque lhe detesto os romances - li uns sete -, que são bastante fracos e muito grossos de ranço.
Tanto tempo a pensar e a rejeitar frases deve dar uma dislipidemia do caraças.
Se ele fosse médico a sério - ora vamos imaginá-lo nisso, vá lá - teria dias de gáudio inenarrável, dias duma leitosa placidez atormentada. E proporcioná-los-ia, a dias desses, aos desgraçados que se lhe ajoelhassem aos lavadíssimos joanetes, consultando-o: "Caramba! Você aí a queixar-se disso que o apoquenta, hem, e eu aqui, já viu, que não se me aproveita nada de jeito? Venha daqui por três meses, sim?".
O acto criador é como os outros actos todos. O tempo só ajuda a criação - e o tempo não tem nada que ver com isso, o tempo é certo, lento é quem é lento e encontra na lentidão virtude - se o criador tiver ideia do que anda a fazer, do que quer fazer. Se não andar sempre à procura de se repetir, mesmo sempre à procura disso de se repetir, por outras palavras. Não é de não se repetir, perceberam bem: é de se repetir. O que nem espanta.
O criador, sobretudo, não deve querer disfarçar a vaidade que o atiça com o orgulho humilde que gostaria de ter e que não tem.
Eu já lhe vi os olhos. Estive ali a olhar para ele, há muitos anos. São azuis e pouco fundos, num fundo vermelhusco. Voláteis. Já vi olhos assim em gajos em coma, embora sem anemia.
Nas crónicas, vá lá. Não deve poder pensar tanto tempo, que aquilo deve rolar em euros por decímetro quadrado e, sendo assim, lá lhe saem - vertiginosas - umas vertigens de talento sério; sendo que pensar, isso tudo que vem de dentro da cabeça, é ruminar; no caso dele.
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