Nomes falsos. Todos. O resto é verdade.
Enganei-me. Não me chamaram mais. Não fui preciso e, bem vistas as coisas, não havia nada que lhe pudesse fazer. Nem ninguém, quanto mais eu.
Morreu no dia 1 de Maio.
Já só o vi de fato, no último fato. De camisa alva e de gravata azul: era portista; mas não sei se foi por isso se, apenas, porque lhe ficava bem o conjunto. O cabelo esbranquiçado estava bonito, brilhante, sobrevoando-lhe a palidez. Face serena, emaciada. Mas serena.
Puseram-lhe ali a fotografia da mulher, a sair-lhe do bolso do casaco, uma em que sorria. Fizeram bem. Ela esteve sempre lá, até ao fim, como ele quis. Como ela quis. Como tinha de ser.
A Mãe estava calma, resignada.
Deixou uma filha. Deixou muita gente.
Deixou muitos amigos. Eu era um deles, um dos mais antigos, do tempo dos calções, do primeiro rally-paper, das primeiras musicatas e das primeiras danças tímidas. Lembro-me dele em vários lugares, mas prefiro recordá-lo no Porto, longe daqui, quando eu ia ser médico e ele adorava Geografia. Ou na Póvoa, no meio das nortadas do fim de Agosto.
Acabávamos sempre por imaginar novas cantigas, novos teatros, novos poemas que metiam "homens com pelos no coração". Ele não gostava disso, preferiu sempre corações lisos, mas o poema era dele, brincámos tanto com ele à conta disso! Na Póvoa, entre o Diana e o D. Pedro, passando pelo D. Pasolini, ou pelo Bianca Neve, nada disto existe, já, conforme era, tanto o gozámos, lindo amigo que nunca se zangava sem a sua razão!
Lembras-te, Paulo? E tu, Beto Mendonça? E tu, Gastão? Lembras-te tu, Félix? Recordas-te ainda, Chico? E vós, Ermidas? E tu, Pinho? E tu, Frederico, poeta rude ainda hoje? E tu, João? E tu, Barros? E tu, Zézé? E tu, Eugénio? E tu, Eduardo, que também já morreste, fraqueza do coração tão precoce? E tu, Olga? E tu, Teresa? E tu, Belita? E tu, Carla? E tu, Luísa? E tu, Elza? E tu, Marisa? E tu, Carminho? E tu, Aurora? E tu, Tó? E tantos outros e outras que ele tocou da sua nobreza ainda juvenil...
Lembramo-nos todos, não é? Quando chegava, vinha sempre com uma ideia qualquer, ele à frente dela. Não era?
Era.
Morreu-nos a todos e vai a enterrar amanhã.
A mulher (excelente mulher ele tinha, e tem, ainda) contou-me, durante um abraço que me fez sentir pequeno, entre as lágrimas dela e o meu peito ressequido, que o meu colega que tratou dele nos últimos dias (bom miúdo, vai longe, pena ir-se embora, vai longe para longe, eu tenho pena), chorou, no fim. E estava comovida com isso. Coitada.
Choramos sempre para fora enquanto não nos ensinam a chorar só para dentro.
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