Do centro
Conheço mal o centro do país. Claro, conheço lá coisas, sei coisas de lá. Mas conheço-o mal.
É um lugar de passagem, se não cuidarmos de lá ficar.
Seja na serra, seja no litoral, o centro parece fazer sempre parte dum trajecto mais longo, raras vezes sendo destino seja do que for. Isto não é pejorativo: vivo no nordeste, que nem sequer é, geralmente, trajecto - quanto mais destino. Pode ser um destino, o meu, mas viaja-se pouco, concedo, nesta frase.
O centro é bonito.
Claro, tendo regressado da serra, poderá pensar-se que "dizes que é bonito porque te penetraste de beleza". E é verdade. Mas não é só isso.
Por exemplo, esta tarde, na RTP, deram um directo dos H.U.C. (Hospitais Universitários de Coimbra). Aquilo foi um bocadinho "feito", se me faço entender: tudo corre bem, ou parece correr melhor, quando nos preparamos. Quem fez o liceu, ou a própria escola técnica, sabe disto. Basta, mesmo, estar vivo para o saber.
Quero eu dizer que aquilo foi, como tinha de ser, concertado. Viu-se, mesmo, Manuel Antunes a substituir uma válvula, entre outras coisas que se viram. E, para se poder ver isto, tem de ser tudo preparado, a vida não é, felizmente, um Big Brother global (falo do de Orwell, não do de Moniz). Ainda. Não é nenhum dos dois, aliás.
Mas correu bem. Mostraram-nos um Portugal diferente, mais parecido com o que sabemos que existe, mas não somos capazes de o ver porque estamos ocupados a construí-lo (ou, se formos menos dados à matéria e mais derramados para a tergiversação neuronio-tartárica, a "desconstruí-lo": isso da desconstrução dá, aliás, esplêndidas obras de arte contemporânea, ou pode dar; mas eu sou mais dado a gostar da matéria, das pessoas e das coisas, e, além disso, o centro é muito antigo, não encontro no centro outra contemporaneidade que não seja a que me faz sentir acidental, "eis-me lá, por acaso").
Os H.U.C. são em Coimbra, claro. No centro.
O centro é a região melhor dimensionada do País. Deve ser lá que há mais gente inteligente por metro quadrado, que há mais gente boa por metro quadrado, que há melhores coisas por metro quadrado. Não tenho números, nem quero saber deles: é assim. Por quê? Porque não tem gente demais para aquilo que lá há e porque me parece, sobretudo, que se fizeram lá coisas, que há lá coisas, que chegam e sobram para a gente que lá há: parece, quando se vai lá, que ainda sobeja. É fundamental para a ancheza do peito esta sensação de falta de exiguidade: ela pode existir, mas não se nos impõe. Aduelas é nas pipas.
Eu sei que vim da serra, que venho de lá bem, mas a minha verdade é esta. E o que eu digo é o que eu digo, não depende dos meus motivos, independe deles muito sossegadamente.
<< Home