Eu sei que devo ter visto mal.
Felipe Gonzalez é um homem moderno.Fico sempre perplexo perante homens demasiado modernos com demasiados cabelos brancos. Eu, que já tenho algumas cãs que me bondam, tenho absoluta certeza de que os meus filhos teriam vergonha de mim se eu fosse tão moderno como eles. A modernidade deve ser vista de cima, quando se pode ter estatuto para a ver daí. A modernidade sem crítica é uma modernidade sem critério, sem moderação, sem o benefício da integração nos pensamentos (milhões deles) que lhe vêm de trás. Torna-se a modernidade uma filha sem pais, uma dupla filha da puta.
Talvez eu não o tenha, a esse estatuto, não tenho sequer idade para isso (como tiveram a simpatia de me dizer, um dia, um despeitado qualquer, eu sou - talvez - o chefe de serviço de medicina interna mais novo do país...), mas desgosta-me ver, a quem o tem, desperdiçá-lo a falar para os jovens.
Falar para os jovens é falar à bebé. Uma paneleirice, sobretudo quando já se têm cãs. Um tipo com alguma idade deve moderar os seus entusiasmos perante "biberonada": é tudo leites adaptados.
A vida é simples, mas simplificá-la demais complica-a. Torna-a fácil, em lugar de simples. Uma mulher fácil e uma mulher simples podem conviver na mesma mulher, mas, em não convivendo, cuido que qualquer senhora preferirá ser, simplesmente, simples.
Da vida não sei dizer, mas cuido que não será diferente.
Ontem, fiquei um bocadinho perplexo, perante um homem que deve ter mais trinta anos do que eu, que se assume como um aceitador tácito da globalização, porque ela existe tal como existe. O interlocutor de Gonzalez era Jorge Sampaio, um homem que, apesar de tudo, não me pareceu tão cheio dessas modernas certezas. Mas pareceu-me cheio de outras.
Não consigo, se calhar apenas porque ainda não consigo, ser um alegre aceitador e interpretador de factos. Parece-me a mim que ainda gosto de participar deles, de os criar, de os modificar. De não gostar deles apenas porque existem, porque mos puseram ali, à frente.
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