O bem e o mal
Os meus filhos perguntaram-me, hoje, algumas coisas.A pergunta que menos me incomodou foi esta: "por que é que há pessoas assim tão pobres?"
Não sei responder a isto, mas mandei-os ler Darwin e tentar adaptar as coisas. Parece-me, ainda hoje, o mais actualizado autor do mundo, mais retórica, menos retórica, metáforas à parte: é como ler os "liberais" do Blasfémias, segundo os quais tudo se auto-regula; claro, se a chatice for com eles, correrão, contudo, a chamar a polícia. Darwin não pensou nisso, tinha da animalidade uma noção mais honrosa e menos policiada. Disse-lhes, aos meus filhos, como facilmente entendem deste arrazoado, "porque sim".
A seguir foi esta: "quem é este homem?".
Eu disse que aquilo não era bem um homem, embora fosse um primata. Como associam (são petizes) primatas a "macacos tout-court" (lá está, ainda não leram bem o seu Darwin, que, bem lido e bem adaptado, os preparará para se defenderem do que aí vem) e já leram algumas outras coisas, perguntaram-me se aquilo tinha sido em Gibraltar. Tive de lhes explicar que não, que tinha sido na Madeira, e que em Gibraltar os macacos são mais pequeninos e engraçados e não parecem andar sempre "aos bordos", da vinhaça.
Finalmente, perante uma frase de não sei quem no telejornal, perguntaram-me se um liberal era uma pessoa que defendia a liberdade. Eu disse que sim, para não ter de lhes explicar que "sim, mas só a sua, a da sua família e de alguns amigos. Leia-se, por amigos, "alguns colaboradores pagos pela sua eficácia pavloviana".
Disseram-me "tu fazes as coisas parecerem fáceis". Eu disse "acusam-me disso muitas vezes, para o bem e para o mal...".
Aqui pouparam-me: não me pediram definições, nem do "bem", nem do "mal".
Não é por isso que estão a pensar que fico aliviado, nada disso: eu sei o que é "o bem" e o que é "o mal", ao menos o suficiente para explicar a filhos menores de quinze anos. Não, não é por isso que me sinto transitoriamente sossegado.
É porque lhes pude poupar, ainda desta vez, esta certeza quase cósmica: "Ides viver num tempo em que isso do "bem" e do "mal" há-de estar superiormente definido, regulamentado, constitucionalizado. Um tempo em que, louvado seja o Senhor, havereis de calar tantas dúvidas e tantas raivas que vos há-de rebentar o peito. A menos que tenhais armas em casa e pouco medo de morrer, pela vossa consciência, às mãos das novas polícias que hão-de aí vir, enquanto matais alguns lacaios, moles e avulsos, de avulsos amos gelatinosos".
É claro que eu nunca lhes diria isto. Os senhores saberão reconhecer em mim a temperança e a bonomia, características fundamentais da minha personalidade insípida. Mas ainda bem que, pelo sim, pelo não, não me perguntaram nada.
<< Home