Cigarros
Estou a ouvir "Bela Praia", de Rão Kyao. Ouve-se muito bem, na véspera da urgência.Eu desligo, sempre, as reservas mentais, quando me disponho a ouvir. Só assim se ouve bem: quando só se ouve. Não é "ouvir só", é "só ouvir". É diferente.
Para ouvir bem os outros temos, sempre, de deixar de nos ouvir a nós, ao menos por momentos. Com o tempo aprende-se que os uníssonos e os cânones são particularidades treinadas, combinadas, reflectidas, do canto. Um canto forçado, forçado de bonito, mas bonito de forçado, não me fazem sair disto.
Rão Kyao não canta, sequer. Que fazes aqui, Rão? Sai da minha posta!
Isto não faz sentido, razão tem o Alonso: tenho de pensar seriamente em mudar de marca de cigarros. Isto de fumar sempre a mesma coisa torna-nos, de certa maneira, conservadores. É, no fundo, o que sou: um besugo predisposto a morder, sempre, o anzol do costume.
Há estudantes universitários, trolhas, serralheiros, secretários gerais, publicitários, candidatos a cantores e a modelos, embaixadores e recém-licenciados na arte de contestar tudo o que (ainda) não fizeram, que (ainda) não aprenderam que a evolução se vai fazendo, se for sólida, sobre os terrenos sólidos do que se conserva.
As pessoas de quem mais gosto, na minha vida, são todas conservadoras. Porque pensam longe e limpidamente sem largar a âncora do que já tinham pensado. De livre pensamento ou de ensinamento prestado. A gente sabe lá, muitas vezes, donde lhe vem o que sabe! O que não pode é renegar-se em cada novidade.
Isto, afinal, não tinha nada a ver com o Rão Kyao. Era só para dizer ao Alonso que ainda fumo os cigarros do costume. O que é mau, mas ele gosta: sempre lhe posso valer em alturas de carência, embora as carências dele sejam, conservadoramente, poucas..
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