Blogame mucho: Por una cabeza

15.4.04

Por una cabeza

Revi, esta noite, o tango dançado pelo fascinante Lieutenant Colonel Frank Slade ao som da música eternizada pelo Gardel, com o que aqueceu o coração da mulher solitária que cheirava a sabonete Ogilvie, que se pressente que esperava há tempo demais um outro homem e que nunca se decidiu a aprender a dançar tango "because Michael thinks tango is hysterical". A convite - insistente o suficiente para vencer o seu pudor aburguesado - de Frank Slade, ela entrega-se nos braços do dançarino cego, mágico e, porém, inatingível. Frank Slade, o cego dançarino, uma espécie de fantasma num sonho, envolve-a num tango profundo, dançado de dentro de si, como a expressão visível e sublime do deslumbramento de um homem que, sabiamente, descobriu que os afectos se fazem de estranhas misturas de papéis simétricos, em que o sujeito que protege é, também, o sujeito protegido. Quando acaba a música, chega finalmente Michael, o baço e banal homem por quem a mulher esperava. Ela sai relutantemente com o homem banal e com a recordação daqueles três ou quatro minutos de tango gravada na mente. O filme volta à realidade e o dançarino cego à sua luminosa escuridão. Nunca hei-de cansar-me de rever isto.