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25.4.04

A mudança

Logo de manhã era visível o clima de apreensão. A minha mãe, como qualquer mãe o faria, tratou de se assegurar de que todos os seus filhos estavam em segurança. O meu pai telefonava incessantemente e suspirava; julgo que pensava no que seria o seu futuro. Alguém estava a fazer desmoronar as bases das suas rotinas diárias e das suas estratégias de vida, por muito limitadas que fossem. Fazia parte dos portugueses não politizados, para quem a guerra colonial não era um problema próximo. E naquele dia, naquele preciso dia, apercebeu-se intuitivamente dos riscos que corria e foi, por isso, forçado a politizar-se imediatamente. Percebeu, então, que, por azar, estava do lado errado da revolução e que esta já estava em marcha. Não era a favor, nem era contra. Apenas um português a fazer o melhor que podia para sustentar os seus. Mas era "patrão", pobre dele.

Numa família grande e cheia de adolescentes arrebatados, seria difícil impedir que a onda auspiciosa da revolução não os seduzisse. Os mais velhos foram festejar para a rua, enquanto os mais novos permaneceram na segurança do lar, eu incluida. Também me lembro dos desenhos animados na 2, entremeados com os comunicados do MFA na 1 que a minha mãe, ansiosa, procurava, enquanto angustiadamente esperava as notícias do meu pai que tardavam em vir. Os mais velhos voltaram à noite cheios de novidades e de manifestos revolucionários que nós, os mais novos, ouvíamos e repetíamos até à exaustão, até fazer o meu pai sorrir. Todos, nos meses que se passaram, nos tornamos fiéis apoiantes de uma revolução cujo sentido só conhecemos depois. Naquele dia, uns crianças e outros adolescentes, sentimos, apenas, os ventos da mudança. O tempo encarregou-se de demonstrar que o olhar apreensivo do meu pai não era em vão e que foi, também ele, vítima do encarniçado tom da defesa incondicional dos oprimidos. A revolução acabou por lhe ser favorável, embora mais tarde do que para outros. Para nós, os filhos, a revolução foi imediatamente visível; mas aprendemos, também, sobre o oportunismo.

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