blog caliente.

8.2.04

contrariando ...

... o besugo, que se queixava da minha ausência, aqui estou, sem nada para lhe responder. Ou apenas para lhe dizer que ele devia era ter no carro um "betinho" qualquer que tivesse mesa de snooker em casa. Esta malta de esquerda é mesmo pindérica, sei lá ...

... a lolita para lhe dizer que não sou espécime da direita a que aludes (a tal que esteve complexada vinte anos). Aliás, recordo com particular gozo os meus tempos de estudante liceal e depois universitário em que fazia questão de participar em debates e colóquios para testar a tolerância da esquerda. Que era pouca a esse tempo para quem questionava a "mundividência" esquerdista.
Essa mundividência transformou mentiras atrozes em dogmas indiscutíveis, e não era fácil demonstrá-lo (não por ser difícil em si, mas porque não era fácil falar até ao fim sem se ser envolvido por um coro de protestos).

Dou três exemplos:

a) O Conselho Directivo do meu liceu colocou no seu placard um cartaz "pacifista", no qual se comparavam os custos do material bélico da NATO com os dos bens de utilidade pública que os mesmos "roubaram" aos povos deste mundo.
Por exemplo: Um submarino americano custava tanto como 5000 hospitais, um tanque inglês tanto como 5000 escolas, um caça francês tanto como 5000 universidades. A ideia era esta, os números não.

Aqui o vosso amigo, cheio da sua fobia pelo comunismo (lolita "dixit"), colocou no mesmo placard um cartaz artesanal com o quadro comparativo dos efectivos da NATO com os do Pacto de Varsóvia. Estilo "NATO - 50 submarinos nucleares; Pacto de Varsóvia - 100 submarinos nucleares. NATO - 5.000 tanques; Pacto de Varsóvia - 13.000 tanques. NATO - 1.500 caças; Pacto de Varsóvia - 2.700 caças.

No fim esclarecia que não era possível saber quantos hospitais, escolas e universidades valia cada submarino soviético porque não se sabia quanto custava um submarino soviético.

A tolerância do CD lá da minha escola durou uma manhã. À hora do almoço já tinham mandado tirar o meu cartaz. Parece que eu estava a "fazer política" de um apelo à paz. Eu era o falcão e os gajos as pombas, não sei se me faço entender.

b) Esta foi ainda no liceu. Colóquio sobre o direito à greve. Depois de ouvir diversos intervenientes a vociferar contra o capitalismo e a exaltar as conquistas proletárias, perguntei com o ar mais inocente que consegui arranjar como é que se encontrava regulado o direito à greve nos países comunistas.

O primeiro a responder ainda deve ter acreditado que eu não sabia a resposta por isso lá respondeu cuidadosamente que nesses países, como as empresas eram detidas pelo Estado e não por capitalistas, as questões laborais eram dirimidas internamente, com a colaboração das estruturas sindicais, que tinham muitos poderes no âmbito da própria gestão da empresa, pelo que a questão da greve nem se punha, etc., etc.

O segundo era lá da minha escola, já me conhecia e nem se deu ao trabalho de responder, disse só que a minha pergunta era provocatória e além disso fora do contexto em debate.

Ainda tentei que me esclarecessem se a greve estava de facto proibida e se era ou não crime nesses países, mas já não foi possível ...

c) Já na universidade, quando o comunismo já se aproximava do estertor final: Colóquio sobre o então incipiente "Direito do Ambiente". A certa altura um dos oradores resolve politizar a coisa, e dissertou sobre a incompatibilidade genética entre o capitalismo e a defesa do ambiente. Vai daí, o vosso irrequieto e "comunistofóbico" colega de blog resolve perguntar sobre o desaparecimento de um mar inteiro no seio da URSS, sobre o manto de segredo que envolveu o desastre de Chernobyl e mais umas coisas assim (é evidente que a esse tempo ainda não se conhecia a verdadeira dimensão do desastre ambiental criado pelos regimes comunistas na Europa Central e na Ásia), e conclui a pergunta colocando a questão de "poder haver também" incompatibilidade genética da defesa do ambiente com o comunismo, agravada nas suas consequências pelas características policiais e de ausência de liberdade, até informativa, nesses regimes.

Tungas ... levantou-se um coro de protestos por parte dos meus colegas "ambientalistas" (adorável eufemismo) e o debate prosseguiu sem que eu tivesse merecido resposta.

Concluindo: a lolita jogou - e bem, eu até gosto desses jogos - com as palavras ao sugerir que eu tenho "fobia" do comunismo, e misturou com maestria a Elsa Raposo e os dirigentes desportivos numa apreciação, ou depreciação, do que deixei escrito. É uma técnica mais subtil e porventura mais eficaz de não-responder do que aquelas que acima recordei.

Elsa Raposo e dirigentes desportivos à parte, eu hoje já nem me preocupo em demonstrar a essência profundamente hipócrita dos regimes comunistas. Para todos os efeitos e tirando o geronte de Cuba (Sendo que a China é um caso à parte, que pouco tem que ver com a cultura ocidental de que o comunismo é tributário) seria malhar em mortos ou, no mínimo, humilhados. A mim preocupa-me apenas a duplicidade de análise que ficou desses tempos, como resíduo no fundo de uma garrafa já vazia.

E agrada-me pensar, como já nesses tempos pensava, que pôr em causa essa "mundividência" que nos fala da "superioridade moral da esquerda" (esta expressão é, salvo erro, do Soares) obriga, no mínimo, as pessoas a não darem por adquiridos factos que não são verdadeiros ou que, pelo menos, são muito, muito discutíveis.

Tudo, sem me chegar a arrogar da "superioridade moral da direita". Até podia admitir que era assim, mas conheço também os fantasmas desse sotão, pelo que me fico pelo cepticismo e relativismo de quem acha que o perigo não está no que cada um pensa. O perigo está em qualquer "mundividência" achar que é a única verdadeira e boa, e por isso amordaçar as outras. É a chamada "tentação totalitária", que à direita e à esquerda se fazem sentir com igual intensidade.

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