El toro

Mas eu gosto de pensar que essa profunda inabilidade dos espanhóis para as línguas estrangeiras é um mero corolário do orgulho - exacerbado, enfim - na sua pátria. Eles, os espanhóis, amam genuina e irracionalmente a sua Espanha. Veneram e acarinham o rei e todo o infantado, os seus ícones agregadores da nação, semana a semana refrescando essa idolatria na salerosa Hola!, que vende e promove uma Espanha sentimental, febril de emoções primárias feitas de devoção pelas Rocios, Carmens e Lolas famosas e belas, todas berrantemente vestidas e maquilhadas, desabafando as suas vidas difíceis em que o amor apaixonado por um qualquer torero dá lugar, quando acaba, a um profundo desgosto que mostram, sem qualquer pudor (ou, talvez, pensando bem, com sentido de estado) em fotografias close-up que enchem os corações das espanholas comuns e anónimas de solidária dor. Espanha tem muita cor. Tem as cores das telas de Picasso, o vermelho dos filmes do Almodovar, que tão habilmente satiriza todo esse kitch espanhol ao mesmo tempo que o depura e o torna admirável e sedutor, o amarelo quente da vasta e rude Extremadura onde D. Quijote cavalgava o seu rocinante. E tem a poética e histórica Andaluzia dos vizires muçulmanos, do quase mítico Allambra e dos grandiosos Alcazares. E do sevilhano flamenco, chorando de raiva, nunca de baça e conformista tristeza. Espanha, ao mesmo tempo una e antagónica, tem românticos independentistas bascos, cidades desenhadas com humor e génio gaudiano, plazas mayores, tapas, movida, noites longas, história, carisma, pensamento, sentimento. Eu vejo-a assim, quente e colorida, forte e imponente como el toro que, desde criança, me habituei a procurar sempre que percorro uma qualquer autopista. Há poucos anos, comprei finalmente um pequeno mas fiel simulacro do verdadeiro, que coloquei junto ao pexixé, como na música do Rui Veloso. Um recuerdo de Espanha, pois.
<< Home