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11.12.03

Almanaque do besugo (I)

Decidi encetar, hoje, uma espécie de almanaque. Acordei razoavelmente bem disposto, como de costume, e logo se me afigurou necessária esta contribuição educativa. Pensei: “ó besugo, tu podias partilhar tanta coisa com a blogosfera!”. “Pois podia, pois podia!”.

Brotou-me logo a ideia para o meu primeiro ensinamento. Espero que vos seja proveitoso, sobretudo à lolita, ao paco, ao alonso e ao kaneko: são pessoas de grande e fervilhante actividade cerebral mas sentem dificuldades manifestas quando chamados a intervir em situações pouco diferenciadas, em que é necessária uma certa rusticidade e um empirismo que só a vida campestre ensina. Bem hajam.

A pesca do sargo:
1 – A geografia do sargo
Para pescar um sargo é necessário colocarmo-nos em locais onde eles, os sargos, existam de facto. Tentar fazê-lo em outras geografias pode ser compensador, do ponto de vista “fui aos sargos mas não deu...”, mas dificilmente se conseguirá comer um deles sem passar pela peixaria.
O sargo é peixe de mar e há, de facto, muito mar para pescar sargos. Contudo, eles pescam-se bem nos Açores, porque se concentram ali, junto à doca de Ponta Delgada, apenas pelo convívio saudável que mantêm com as anchovas e pelo prazer que qualquer sargo sente na sonoridade do sotaque micaelense.
2 – Preparação psicológica para o sargo
Bastam quinze minutos de concentração. O sargo não é muito elaborado e alguns minutos de perplexidade contemplativa são suficientes para o pescador se penetrar do perfil psicológico necessário à sua (do sargo) captura. Para vos dar um exemplo, qualquer equipa mediana da segunda divisão B precisa de metade do tempo para entranhar em si a convicção de que pode ir ganhar ao estádio da Luz.
3 – O material para pescar sargos
Na questão do material é preciso contar com um amigo (ou amiga) que já tenha, de facto, pescado sargos. Ajuda bastante. Esse amigo (ou amiga) encarregar-se-á de tratar das canas, do pão de mistura e do lombo de porco (para o sargo), dos transportes, do farnel (para os pescadores) e dos agasalhos. E não deverá esquecer-se dos anzóis, que, pelo menos no caso da pesca do sargo, são curvos e têm uma espécie de pequena farpa na ponta. Não é preciso chumbo, por isso abstenham-se de armas de pressão de ar. E há quem se muna de camaroeiro (que é uma espécie de cesto de basquetebol tapado no fundo) para a extracção do sargo do seu habitat. O sargo esperneia muito em contacto com a atmosfera.
4 – A atitude do pescador perante o sargo
Deve manter-se uma postura desdenhosa perante qualquer ciclóstomo. O sargo não é um ciclóstomo, é um peixe médio com escamas, mas merece atitude semelhante, evidentemente. Quando não, em se lhe dando confiança, em se lhe mostrando ansiedade, o sargo assume toda uma plêiade de comportamentos zombeteiros, hesitando na investida. Um sargo é um touro aquático. Marinho. Contudo, não é azul.
5 – A atitude do sargo perante o pescador
O sargo tenta ignorar o pescador mas não consegue. O sargo é uma espécie piscícola exibicionista e disfarça mal essa tendência para o vistaço. Não dá saltos aparatosos como a carpa, mas aflora a superfície em trejeitos de artista de variedades. O sargo é uma espécie de Santana Lopes com guelras e ainda menos cabelo.
6 – Nota final
É sempre bom contribuir para o conhecimento. Sinto-me bastante feliz e calmo, ao contrário dos sargos. Pressinto nesta minha profícua “explicação do sargo” consequências devastadoras na fauna sargueira. E o sargo é um espécime dotado de alto sentido premonitório.

Também sei de culinária e voltarei ao almanaque. Não escrevam muitas cartas, que a minha vida não é esta.
Entretanto, fiquem-se com esta interessante ilustração em que se pode ver um sargo segurando dois besugos. Sim, a luta é, por vezes, desigual...

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