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15.11.03

Os pontos

Ora pegue lá você, Dupond, então, com um abraço besugal:

1 e 4 - "As propinas mais caras no curso de Medicina e as portas escancaradas do emprego estatal"
Evidentemente que você brinca comigo, Dupond. Então você admite que há falta de médicos, o Estado também (o governo não sei se admite, este governo quer lá saber!), e depois estipula propina especialmente elevada para o curso? Você explique-se, porque o que parece querer dizer é isto: "O Estado, que somos nós, potenciais doentes e familiares de doentes, queremos formar mais médicos. Porque precisamos deles. Como incentivo, vamos pô-los a pagar mais caro o cursinho, porque têm logo emprego e isso é uma injustiça para os... sei lá, para os engenheiros de silicones!". Olhe essa gripe!

2 - A questão de os tempos serem outros
Muito bem. Eu acho que não são, que em 18 anos (que é quase o dobro da idade do meu filho mais novo, tão jovenzinho que ele é!) as coisas não mudam assim tanto. Chame-me conservador, em vez de fóssil, que eu explico-me melhor, para outra vez. E não se irrite com o meu romantismo saudosista, porque não sou nem uma coisa nem outra, de forma essencial. Agora, o que também não sou é modernaço.
3 - O caso de "onde se aprende"
Nem ponha dúvidas que é nos doentes, nessa "matéria prima" potencial que somos nós, que se aprende. Você cuidava que era nos livros, nas sebentas? Com lentes a falar em anfiteatros? Disseram-lhe mal. Aí recolhe-se a teoria, conceitos abstractos, seriados, organizados, listagens de sintomas e sinais... Mas um médico tem de fazer ao contrário, sabe? Eu tento explicar: ao longo do curso, aprende-se que um linfoma pode dar um baço grande, uma policitemia vera também, uma endocardite idem, uma hipertensão portal a mesma coisa... muitas outras causas de esplenomegalia. Ora os lentes e os livros ensinam-nos, doença a doença, síndroma a síndroma, o que cada patologia nos mostra como "os seus sinais". E com as análises é a mesma coisa. Para não ser ainda mais maçador, eu limito-me a afirmar-lhe que os doentes não trazem estampado no rosto o seu diagnóstico. Temos de os ver, de os palpar, de os sentir, de os analisar. E pensar ao contrário do que a Faculdade dos Lentes nos ensina: não pensar "este doente tem um linfoma e, lá está, o baço grande encaixa!", mas sim, "este doente tem um baço grande, que eu lhe palpo, e vamos raciocinar (divergentemente, sim) a ver o que ele tem, que pode ser, de facto, um linfoma!". Isto aprende-se e treina-se a ver doentes, desde o 3º ano de Medicina, você está redondamente enganado. Não é preciso gastar muito dinheiro em iconografia nem em materiais de ponta. É preciso haver professores? Claro que sim, bons, como Sobrinho Simões, de preferência. Mas não me consta que os professores da Faculdade de Medicina ganhem mais que os das outras Faculdades, portanto... também não se meta por aí para elevar propinas.
E, já agora, outra pequena correcção: ao fim dos seis anos de curso, é-se médico, sabia? Eu fiz cinco anos de especialidade, de facto, os cirurgiões fazem seis, há especialidades de 3, 4, 5, 6 anos. Mas é-se médico, com responsabilidade médica (embora tutelada, mas isso é outra conversa) logo desde a primeira tímida inscrição na Ordem (que é obrigatória, pois...).

5 - A "propina" dos doentes.
Sabe porque é que eu digo que eles já pagam "propina"? Bom, eu nem lhe falo do caso chocante (que muito me entristece, como homem, como médico, como português, como o que você quiser... olhe, como besugo, seja!) da senhora que morreu na sala da TC, aparentemente sem diagnóstico. Você, e outros blogues, falaram nisso e eu fico muito sentido, você acredite. Eu assumo que foi assim que as coisas se passaram, porque foi assim que me contaram. Isto será melhor explicado, todos queremos que tenha havido uma razão mais forte para o sucedido, evidentemente. Mas não vem agora ao caso, desculpe. É apenas uma tristeza funda que merece outra discussão, outro contexto.
Fiquemo-nos apenas pela simples questão dos impostos que nós todos (enfim, pelo menos nós, os funcionários públicos...) pagamos, que são uma elevada propina ... para cada vez mais fracos resultados. Se calhar são cada vez mais fracos, os resultados, porque, como você gosta de dizer (mas não demonstra), "os tempos são outros". Mas isto é apenas uma ligeira provocação, que você não vai levar a mal.
Espero eu, temendo já a sua forte represália de lobo do mar! Ala arriba!

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