"Las ganas"
Na companhia de amigos dediquei-me a fazer "zapping" entre a RTP 1 e a SportTV, depois do jantar. Na RTP 1, o jogo de preparação de Portugal, com a Grécia. Na SportTV, o jogo a doer entre a Espanha e a Noruega.O novo estádio de Aveiro estava cheio, em dia festivo de inauguração. O Mestalla, em Valência, também abarrotava.
Em Aveiro, o público desdobrou-se em assobios, vaias, aplausos, chistes, aquela mescla de "viemos à bola mas não gostamos muito, eles que joguem, palhaços de merda, somos os maiores, tirem aquele gajo!...". Enfim, uma mistura quase aleivosa de falta de tomates mascarada de emoção, muitas vezes confundida com "latinidade". Não é latinidade, é uma profunda incoerência de cunho lusitano.
No Mestalla, com a equipa espanhola a ter de correr atrás do prejuízo (a Noruega marcou primeiro), o público empurrou a equipa para a viragem do resultado, de forma que chegou a ser empolgante, fazendo-nos ficar mais tempo na SportTV que na RTP1. O torrencial "España, España" contagiou os jogadores, que marcaram, perto do fim, o golo da vitória. Como dizia o comentador de serviço, "é interessante que os espanhóis marcaram num período em que já não jogavam com a mesma qualidade...". Triste "tonho" luso em maré de comentário, este. A raça, a crença, a força, a "rabia española", estava tudo ali, aos nossos olhos, a ver se a aprendíamos. Mas não. Não se aprende nada, nem com coisas simples como o futebol.
O público português quer espectáculo, ele vai ver um espectáculo. Como se fosse ao parque Mayer, ou ao CCB, ao cinema ou ao circo. Ainda não aprendeu que se vai aos estádios para apoiar os nossos, para os estimular, para os fazer crescer aos seus e aos nossos olhos. Ainda não percebeu, o público luso, que é essa forma quase irracional, mas genuinamente solidária, de estar nas bancadas dum estádio de futebol, que faz com que o futebol em Espanha (e na Inglaterra, na Escócia, em Gales, na Turquia, na Grécia, na Itália, na Roménia, na Argentina e no Uruguai... meu Deus, em tantos sítios!) seja um espectáculo.
Uma vaia é decepcionante. É traiçoeira. Dá vontade de desaparecer dali e de ser amargo o resto da vida.
Um aplauso vibrante e incondicional, sobretudo na adversidade, entendido como comunhão na desventura, é reconfortante. Dá vontade de retribuir, redobra as forças, "las ganas". E eu acho, cada vez mais, que o espectáculo, no futebol e na vida, é mesmo essa aventura de sermos solidários, adeptos, amigos.
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