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25.11.03

Haiti

O poste do Alonso fez-me vir à memória os dados - arrepiantes, na perspectiva de um europeu, ou melhor: em qualquer perspectiva, que este género de coisas não se relativizam - sobre a criminalidade no Brasil. Tinha, quando lá estive, o hábito de ver o telejornal da TV Globo ao fim da tarde. Habituei-me, como os brasileiros, a diariamente (e é mesmo diariamente) saber de homicídios, assaltos e motins que não eram, sequer, notícias de abertura, de tão banalizados. Num desses dias, fiquei a saber que nesse ano - em 2002 - a polícia do estado do Rio de Janeiro tinha matado, no cumprimento do dever, oitocentas e tal pessoas. Sem contar com as cifras negras, dizia o pivot. De uma outra vez, estarreci perante a notícia de que a linha amarela (a auto-estrada que liga a ilha do Governador, onde se situa o Galeão, à cidade) tinha sido palco de um tiroteio entre polícias e favelados que, na sequência de um acidente que causou um congestionamento de tráfego, saltaram para a via e desataram a assaltar os automobilistas de arma em punho. E que há-de ter redundado em mais um sinistro episódio de extermínio, a qualquer custo, da bandidagem carioca, tão arrasadoramente descrita no Haiti, a letra mais inspirada de sempre do Caetano: pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos/dando porrada na nuca de malandros pretos/de ladrões mulatos/e outros quase brancos/tratados como pretos/só pra mostrar aos outros quase pretos/(e são quase todos pretos)/e aos quase brancos pobres como pretos/como é que pretos, pobres e mulatos/e quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados, perpetuada geração após geração. E no duro e impiedoso Inferno, da Patrícia Melo. E no Cidade de Deus, que vi quando estive lá, num cinema repleto de adolescentes classe média-alta que se riram o tempo todo. Apesar disso, os brasileiros pobres – a esmagadora maioria - são resignadamente felizes nas suas vidas remediadas sem outra estratégia que não seja a de cada dia que passa. Orgulhosos do que têm, artistas em quase tudo o que produzem. O Brasil é assim. Incompreensível.

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