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16.10.03

O meu amigo e o Papa

O Alonso trouxe aqui a questão da velhice. Eu acho que o percebi, porque o Alonso trouxe-nos aqui, no fundo: se vivermos o suficiente, envelheceremos o suficiente para sermos absoluta e categoricamente velhos.
Aquilo dos enterros é verdade. É normal assobiar para o lado durante a morte dos outros porque, enquanto a morte vai e vem, folgam as vidas. Mas é adiar a consciência do inevitável. A morte é uma coisa séria, definitiva. Salvo melhor opinião. E o avançar da idade aproxima-nos dela. Eu sei que isto é banal, “para que falas besugo?”. Mas não devia ser.
Irreversivelmente próximos da morte estão o Papa e o velho amigo de que vos falei ali abaixo. Entre outras diferenças, o meu velho amigo não atingiu o nirvana de estar a morrer proporcionando debates como o que Judite de Sousa, personificando nas madeixas pintadas e no gesto irreverente o desrespeito que a nossa relação com os velhos sempre acalenta (e, se bem li o Alonso, ele concorda comigo), estava a ter com o D. José Policarpo. Um debate elegante sobre as implicações da morte do Papa, que vai morrer mas ainda está vivo.
A morte do meu velho amigo eu não a debato. Muito menos com ele vivo. Choro-a, como me compete, antecipando-a e doendo-me. A dissecção duma vida como se já fosse póstuma, com trejeitos de inteligência mundana para horário nobre, é quase pornográfica.
É o que andam a fazer ao Papa. Se o meu velho amigo que está a morrer fosse importante, mediático e substituível, faziam-lhe o mesmo. Autopsiavam-no em vida, num écran qualquer.

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