blog caliente.

16.10.03

O Velho

Pediu aos católicos de todo o mundo que rezem para que ele seja capaz de levar a sua missão até ao fim.

Ouvi isto depois de ler o blog do besugo, e tudo junto deu-me que pensar. Tantas e tão desencontradas coisas que não consigo escrever nada de coerente.

A velhice é algo que todos sabemos que há-de chegar, salvo se a nossa esperança é morrer depressa e sem achaques de espécie nenhuma.

A velhice, a decrepitude lenta e silenciosa do corpo, são o mais visível sinal da morte numa sociedade e numa cultura que postergam essa realidade para um armário (ou jazigo) que só se abre para meter mais um.

Mas que missão terá o velho Papa? Está gagá, concerteza! Que pode um velho fazer, para além de mostrar que é velho? Um velho é, por definição, um tipo que já não trabalha (porque é velho), que mesmo que trabalhasse trabalhava mal (porque é velho). Enfim, um empecilho, a quem se dirigem palavras caridosas (ai que bom que está, e tão lúcido. Parabéns, avô!) apenas para nos reconfortarmos a nós próprios.

E depois, quando vamos ao inevitável funeral (reencontramos sempre pessoas que não vemos há muito), o ritual é este:

1 - Ir ter com a viúva, os filhos e os mais próximos e manifestar pesar, com palavras de circunstância apropriadas.

2 - despachada a incumbência, recolhermo-nos uns instantes com ar compungido/contemplativo (mais tempo se formos próximos, breves segundos se nem por isso)

3 - Verificar rapidamente quem está, e anotar quem falta.

4 - Sair da igreja, sala mortuária, a pretexto de um cigarro, de um telefonema, ou porque alguém (caridosamente) faz sinal que quer falar connosco

5 - Passar o resto do tempo cá fora na conversa com amigos e conhecidos, mais ou menos formal consoante vai passando ou não algum dos muito próximos.

6 - De vez em quando soltar umas palavritas de circunstância reveladoras de que sabemos que alguém morreu ("A vida é assim". "Ninguém cá fica". "Ainda bem que não sofreu". "Deixa saudades", etc)

7 - Acompanhar o funeral (depende da proximidade com a família do/a falecido/a)

8 - Despachado/arquivado/arrumado o defunto, sacar a gravata preta e ir à vidinha que se faz tarde.


E não mais pensar no assunto. E continuar a encarar a velhice como alguma coisa de estranho, de desadequado e de incómodo com o qual não queremos viver. Sobretudo, não pensar na inevitabilidade da nossa velhice (salvo momentos depressivos em que também pensamos na juventude que se vai, devagarinho, desprendendo de nós).

Pois é. Que missão pode ter um velho? Chega a ser ridículo ouvi-lo dizer que a tem. Velho, e para mais chalado e presunçoso, pensaremos nós.

Talvez seja isto (mesmo que ele não o saiba o que, na minha superior condescendência de pessoa com menos de 70 anos admito com comiseração). Mostrar a velhice ao mundo. Para que o mundo a veja, a sinta, se incomode com ela, e ainda que o mundo diga mal dele e da Igreja dele por ter um velho como Papa.

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